quarta-feira, 4 de novembro de 2015

De fora é mais bonito?

Como falar do Brasil?

Essa questão me perturba quase que diariamente. Afinal sou professor de língua e culturas brasileiras. Falo de literatura, de política, de arte... Deixo claro meu ponto de vista. Não é segredo para os meus alunos que me alinho à esquerda, que acredito na igualdade de gênero e que acredito que o Brasil tem sérios problemas raciais mal resolvidos.

Ano passado em uma aula que estrangeiros e brasileiros se misturam (ou sentam cada um de um lado da classe...), um/a estudante brasileiro/a me perguntou porque eu não dava nada mais positivo sobre o Brasil, que imagem que eles iam ter? Eu não faço quadro decorativo e nem escrevo poesia ufanista. Abro a discussão, se essa pessoa do Brasil se sentiu incomodada, para mim é um ótimo sinal. Afinal, estamos começando a rever nossos mitos.

A questão racial é uma das maiores fantasias entre os brasileiros aqui fora. Recentemente meus alunos fizeram um projeto em que tinham que entrevistar brasileiros trabalhando em Nova York. Em mais de uma entrevista surgiu a questão de raça e em quase todas, os entrevistados - Brasileiros - disseram que os problemas raciais no Brasil não são tão sérios porque somos um país miscigenado....

Ah as delícias de ser branco num país miscigenado... ou como dizem aqui "white people problems"....

Me impressiona como a imagem-mito da democracia racial ainda prevalece entre nós. Muitas vezes eu acho que isso é uma fantasia que criamos para não ter que lidar com essa questão.
Como podemos ser uma democracia racial? Um breve olhar no censo já mostra o quão longe de tal projeto estamos. Meus alunos, em uma aula, com a ajuda de dois gráficos, conseguem perceber essas questões. Porém, ao falar com brasileiros, insistimos em negar o óbvio.

Pois depois  das entrevistas, uma das alunas, me perguntou se era verdade o que o entrevistado havia dito, "somos uma país miscigenado". No mesmo dia havia saído uma notícia dizendo que negros ganham me média 47% menos que os brancos. Respondi mandando para ela a notícia. Essa mesma aluna me disse que achava estranho o comentário do entrevistado pois todos os estudantes brasileiros em Columbia são brancos... Inclusive o próprio entrevistado. Sim, ela está certa. Como somos um país miscigenado se todos os estudantes aqui são brancos? Se identificam como brancos, apesar de muitos não serem vistos como brancos (mas isso dará um próximo post).

Cada vez que volto para o Brasil, não permaneço o mesmo.

Há dois anos, estive em São Paulo com um colega (a colored person nos padrões americanos) e o levei a uma festa de médicos (um grupo de médicos que um outro amigo me convidou). O seu primeiro comentário foi "a única pessoa negra aqui é o garçom". Verdade, quantos desses médicos não passaram os seus anos na faculdade sem perceber isso! E quantos seguem nos seus encontros secretos sem perceber isso?

Hoje me choca a brancura dos shoppings de São Paulo, dos restaurantes da cidade... Algo que - MEA CULPA - passei anos sem perceber ou querer perceber. Como acreditamos na democracia racial e na miscigenação, preferimos não confrontar fatos como eu não ter estudado com negros no ensino médio. Ou ainda hoje em escolas particulares de São Paulo não existirem crianças negras. Ou na faculdade, na USP, quase não ter conhecido negros. Ou ir a um restaurante no Jardins e o único negro ser um gringo. Ou encontrar com meus amigos em um bar da Vila Madalena e não ver negros ao redor...

Eu sei que tem muita gente que vai me criticar, me chamar de americanizado, de exagerado... Eu respondo com a seguinte estatística (pois dizem que as pessoas gostam de números): menos de 20% da população americana se declara negra. Mais da metade no Brasil. Vamos assistir TV no horário nobre? I rest my case...

Mais um argumento: Como podemos ser um país sem preconceito se vivenciamos o que aconteceu recentemente com a Taís Araújo? Fiquemos entre as celebridades, para não ter que entrarmos na questão social, na maioria dos assassinados, na maioria da população carcerária, na maioria das pessoas sem emprego....

Não sei se aqui é melhor ou pior, mas vejo que, pelo menos, em cidades como Nova York as pessoas estão mais atentas à questão racial (e de gênero e LGBT). Meus alunos não saem indiferentes a essas questões. E isso é um privilégio da educação. Isso é um privilégio de poder falar sobre o assunto.

Por mais problemas que existam nos Estados Unidos, um negro assassinado pela polícia ainda é notícia. No Brasil?

Os atuais absurdos da internet, essas baixarias homofóbicas, transfóbicas, racistas, misóginas só mostram que é preciso discutir muito sobre o tema. MUITO. Assumirmos que somos racistas e que não podemos deixar que essas pessoas desfilem seus preconceitos e saiam incólumes.

E por fim, não somos todos Tais, não somos todos negros. Mas ser branco não me faz indiferente ao racismo. É preciso parar de fingir que os problemas não são da maioria. Em um país de maioria negra, o racismo afeta a maioria.

Além do hashtag como anda o seu cotidiano privilegiado?



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