sábado, 29 de agosto de 2015

Debates sobre gênero

Perdemos no nível federal, no nível estadual, e no nível municipal (pelo menos em São Paulo). E perdemos por falta de informação, falta de discussão e mais uma vez, pelo excelente trabalho da mídia conservadora e religiosa em distorcer palavras criando logotipos de fácil assimilação que não dizem nada, apenas propagam preconceito. E muitos compram essas ideias.

A principal e mais ridícula que se tem notícia é a tal da ditadura gay... conceito que ninguém consegue definir, mas adora reproduzir. Preconceitos estúpidos como, ‘não tenho nada contra, mas não quero meu filho aprendendo a ser gay’... E a lista adianta.
Ditadura se aproxima de doutrina e se formos falar de doutrina, são as religiões que impõem doutrinas, não? Não há uma ditadura gay, nunca existiu e não há maneira de existir tal coisa. 

A inclusão do debate de gênero nas escolas vai muito além da questão sexual, procuraria mostrar que vivemos em uma sociedade desigual em que mulheres não têm os mesmos privilégios que homens e que tais questões passam por tópicos como raça, classe social e muitos outros. Quando digo que perdemos, todos perdemos. Pequenas e grandes agressões vão além da causa LGBT, interferem na convivência humana. Essa obsessão crescente com a sexualidade (ou melhor, contra a sexualidade) já atingiu níveis de intolerância criminosa. Sexualidade não é sexo! 

Há pessoas que dizem que não é preciso discutir "essas coisas"... Sim, é preciso! Precisamos entender quem e como somos e que há possibilidade de reverter pontos de desigualdade. A escola é parte da sociedade, e como membro ativo da nossa coletividade reflete tais práticas. Desde o menino que não quer jogar futebol até a menina que é excelente em matemática. Vejam que não estou falando de questões de orientação sexual, simplesmente em questões de práticas sociais que ainda hoje sofremos pressão.

Mais exemplos: o menino precisa ser agressivo, precisa se defender. A menina precisa falar baixo, não pode correr. Parece manual dos anos 50, mais ainda se reflete nas escolas. E isso interfere na vida adulta. A Carta Capital publicou um bom texto discorre sobre como a ciência tem mostrado tais efeitos na vida adulta, porém apesar de sermos um estado laico, a religião ainda define os parâmetros escolares. A sala de aula, a escola e a sociedade precisam ser espaços que garantam a igualdade de gênero para todos. 

O debate sobre questões de gênero vai além da questão LGBT. Tal discussão é fundamental para todos. Ainda vivemos em uma sociedade extremamente machista. Desde cedo meninos precisam provar que são homens e meninas precisam entender que são e serão “apenas” mulheres.

Tal debate na escola procuraria diminuir a opressão, mostrar que a igualdade de gênero traz avanços a qualquer sociedade nos mais diversos quesitos. Faz com que entendamos a importância do respeito ao ser humano na sua mais importante habilidade: a vontade de ser alguém.


A escola que se cala, e um país que também se cala frente a essas discussões assume a culpa da grande evasão escolar que temos hoje em dia e também por manter a desigualdade social em níveis alarmantes.  Por exemplo, uma sociedade em que a mulher ainda ganha menos e que acesso à saúde é precário para citar apenas dois exemplos.


Parece que estou batendo na mesma tecla. E sim, estou. Se o governo segue cedendo aos políticos com agendas religiosas em um estado laico, é preciso vozes e mais vozes que garantam tais discussões. Eu fui silenciado durante muitos anos na escola. Fui xingado porque não jogava futebol, convivi com muitos amigos heterossexuais que também não jogavam futebol e também eram xingados. Como eu disse, não é sobre orientação sexual, é sobre respeito ao ser humano. 

Se não há discussão oficial, que haja paralela. Que mais e mais professores, alunos, pais e cidadãos procurem saber sobre o assunto sem se limitarem a palavras-chaves reducionistas. A maneira mais simples de se respeitar, é entender e para entender algo é preciso aprender - na escola e fora dela. 



P.S:

Foto do site da Folha: Cotidiano, 25/08/2015
Enquanto acompanhava pelos jornais a votação em São Paulo uma das cenas mais marcantes foi a de uma freira rezando pedindo a exclusão do 'gênero'. Uma mulher, freira, religiosa rezando pela sua própria discriminação, não como freira, mas como mulher. 







quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Brasileiros em Nova York

Outro dia me disseram que passaporte brasileiro valia muito dinheiro no mercado negro. A razão que me deram foi o fato de o brasileiro não ter um tipo físico muito aparente ou específico. Vamos de oriental, branco, negro (apesar da gente querer insistir que a Gisele Bundchen é o nosso padrão...)

Verdade.

Mentira... Há algo de brasileiro na gente que nos molda. Há um jeito, um olhar, uma cara. E nesses últimos anos nos Estados Unidos, eu adquiri um super-poder de super-herói americano. Adquiri uma visão além-do-alcance para brasileiros em Nova York. Visão essa que foi se aprimorando com o tempo, pois agora detecto os que moram aqui e os que estão visitando. Nunca falha, ou pelo menos, ainda não falhou. Vejo de longe e recebo suas energias orgônicas e acerto. Hoje de manhã, eu detectei vários.

Brasileiros têm várias características comuns. Apesar da "diversidade" que os ladrões de passaporte gostam de ressaltar, nós temos uma cara, ou melhor, um jeito. As mulheres têm um cabelo muito parecido (acho que já falei disso aqui) e é verdade, há um corte típico que mesmo diferente, é parecido. E os homens têm uma carinha semelhante. A maneira de segurar o iphone, a maneira de tirar foto. Acho que é o olhar, com a linguagem corporal. Fora de casa, fica mais fácil observar, como em um apocalipse zumbi, com o tempo você passa a diferenciar de longe o que é zumbi e o que é gente.

Mas há uma característica muito comum no exterior entre nós: A mania de que querer ser local. Brasileiro não pede informação, não anda com mapa na mão – algo que quase todos os turistas fazem em Nova York. Brasileiro procura endereço discretamente. Não pergunta. 

E outra coisa mais forte ainda que nos marca: Brasileiro fala baixo, diferentemente dos italianos, franceses e dos espanhóis. Fora do Brasil, brasileiro fala baixo, morre de vergonha que percebam que eles não são locais ou que não falam a língua local. Fora do Brasil, falamos baixo, que fique claro... Há uma vergonha de falar português. 

E a coisa mais engraçada que já vi muitas vezes e presenciei. Brasileiros quando veem outros grupos de brasileiros se silenciam. Param de falar. Não querem ser reconhecidos. Faça o teste, entre em uma loja de descontos, tipo Century 21, e ande pelos corredores falando português. Ao nos encontrarmos, paramos de falar, olhamos com vergonha, com um sorriso de vontade de se conhecer, mas ficamos tímidos. No fundo, somos tímidos. 

Sempre que saia com a Fran, minha companheira de caminhadas, compras e tudo o mais na cidade, não havia uma vez que não percebíamos o silêncio-reconhecedor dos brasileiros em Nova York.

O fato mais interessante é que em Nova York ninguém fala inglês. No metrô, na rua... não houve até hoje, e pode acreditar, um dia em que saí de casa e no meu caminho até o metrô não ouvi alguém falando uma língua diferente do inglês. Todos falam alguma outra língua. Além do espanhol, há o francês, árabe, hindi, sérvio, russo, criolo francês... menos o português. Português não se fala nas ruas de Nova York, se sussurra. A nossa língua é pouco ouvida, há que se ter audição além-do-alcance. Eu não tenho, mas tenho a minha super-visão. E mesmo em silêncio eu detecto esse grupo.

Quantas vezes eu não vi uma família e me ofereci para tirar foto e eles se envergonharam... "Ah, nossa... não precisa, não". Fora do Brasil que a gente se vira mesmo. Enquanto em casa, a gente gosta dos serviços prestados por terceiros, fora do Brasil, a gente se vira, até para tirar foto. 

No começo, eu procurava ajudar, agora, ignoro, observo e os deixo perdidos. Bem, já dei informação errada, sim. Porque não suporto menininha com cara de cocô com o namorado com cara de quem come cocô fingindo que não precisa de ajuda. E assumo, já mandei gente pro lado oposto só de birra....

Esses dias que ainda estou de férias tenho exercido minha visão brasileira além-do-alcance. Estamos em todos os lugares, mas em silêncio. Hoje eu peguei meu celular e fingi falar com em português. Passei por dois casais e ao chegar perto, eles ouviram minha voz e pararam de falar. 

Por que fazemos isso?????? 

Não sei. Só sei que gosto de caçar brasileiros pelas ruas da cidade. Cuidado que um dia eu te acho! 


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

As fotos que escondem o armário

Uma das grandes verdades sobre o armário que fingimos não perceber é que na maioria dos casos - na grande maioria dos casos - as pessoas sabem sobre a nossa orientação sexual. Simplesmente não comentam porque elas acham que somos nós que temos problemas com a nossa sexualidade. E infelizmente, elas estão certas.

Amigos heterossexuais, pensem em todos os amigos gays e lésbicas que vocês têm e que vivem no armário. Vocês sabem, não? Não falam nada, não? Por quê?

Nós vivemos nessa mentira porque nos conforta e porque no fundo queremos até passar por heterossexuais (vou falar sobre isso também um desses dias).

Essa semana eu postei sobre a "união das escovas de dentes" minha e do meu namorado, agora 'partner'! E me lembrei de alguns amigos em São Paulo que insistem em se esconder por detrás das suas agonias. Eu conheço muita gente que transformou a vida online em segmento da vida real. Faz check-in, posta foto, comenta, faz tudo... mas se mantém em silêncio sobre a vida afetiva (veja: vida afetiva, não sexual). Um conhecido em São Paulo me disse, "mas isso é minha vida pessoal".

Pois ainda caímos na mesma desculpa entre vida pessoal e vida pública. Vida pessoal no instagram, no twitter, no facebook, em todos os sites de social media? Um outro conhecido viaja o mundo com seu namorado, os dois postam fotos das viagens, mas nunca juntos. É como se viajassem constantemente sozinhos. Só quem vê as fotos sabe que há um outro alguém por detrás daquelas câmeras (sorry, iphones, gente fina tira foto de iphone, não pela câmera).
Isso me parece uma agressão. Uma pessoa que tem tanto prazer em postar tudo, com certeza, sofre por não postar sobre o seu relacionamento....

Essa desculpa de vida privada não cola mais hoje em dia. Se uma pessoa posta cada check-in que faz, é preciso refletir sobre os limites do medo, e de como essa pessoa ainda está no armário. Eu tenho brigado muito sobre esses medos.

Não posso ter medo ou vergonha de dizer que estou morando afetivamente com um outro indivíduo. Essa parte da minha vida é tão importante quanto as fotos dos casamentos de todos os meus amigos e familiares. Pessoalmente, não pretendo me casar, mas quero que as pessoas saibam que tenho alguém. Não quero situações constrangedoras em que todos sabem, mas ninguém fala. O elefante cor-de-rosa desaparece e passamos a mostrar às pessoas que afetividade não tem gênero, idade, sexo, identidade ou orientação.

Eu sempre pergunto para esses amigos que se escondem. Se você estivesse casado com uma mulher (ou homem para as lésbicas) você postaria fotos? A resposta: Silêncio....
A verdade é que vida pessoal vale para todos. Há heterossexuais que não postam nada, há LGBTs que não postam nada e gente que divide muito. Minha pergunta é simples, se você é desses que divide tudo porque não fala do seu relacionamento? Eu te digo: armário!

Falar sobre isso é o que me faz político. Insistir que ser feliz é ser simples, é não ter medo. Talvez tenha gente que ache que eu exagere, não sei. Eu me acho discreto no quesito vida online, mas saber que as pessoas sabem que minha vida afetiva é plena e feliz é importante para mim. Saber que LGBTs vivem de maneira tão diversa como os heterossexuais é parte da nossa busca política. Tem gente que casa, gente que vive junto, gente que tem amante, gente que não transa, gente que casa e não transa, gente que só transa e nunca casou.... e isso vale para tod@s sem distinção de identidade ou orientação sexual.

Como dizia um amigo, eu sou um monogâmico feliz, por que esconder?

Vamos pensar sobre isso, gente.... O que nos impede de postar fotos ao lado do namorad@?