domingo, 2 de fevereiro de 2014

E no dia do grande beijo na TV, um pouco sobre o meu não-beijo

E no meio de tanto texto sobre a vida fora do armário, há aquele dia em que a gente, disfarçadamente, volta para o armário...

Eu venho escrevendo este texto há uma semana - desde domingo passado - e por uma coincidência ou alinhamento astral acabo publicando logo depois do beijo do Félix e do Niko na televisão. E logo depois do primeiro beijo na novela acabo falando meu não-beijo.

Domingo à noite, voltando para a casa depois da festa de uma amiga eu estava no metrô com meu namorado (ou amigo se você ainda não consegue entender que pessoas do mesmo sexo namoram e criam relações afetivas entre el@s) e eu desceria primeiro. Como muitos casais fazem quando nos encontramos e quando nos despedimos há um breve beijo de oi ou de tchau. No rosto, na bochecha, no lábio, um selinho…. Pois naquela noite, já na parada anterior a minha, nos olhamos e pensamos na mesma coisa, "como dizer tchau aqui?"

Metrô idéal?
Já tínhamos olhado para os lados e aquele vagão estava particularmente ameaçador. Cheio de homens, sentados, com cara de bravo, e aos poucos aquela sensação - infundada - de que todos estavam nos olhando. E nós apenas lado a lado conversando como muitas outras pessoas no vagão. 

Em poucas palavras, decidimos por um breve tchau e saí do metrô. Não, nós não apelamos para o tapinha no ombro, "see you, dude" ou algo do tipo, simplesmente dissemos "tchau". 

Desci do metrô incomodado, pensando naquela situação, ainda na rua, liguei de volta para ele. Era preciso confirmar que estávamos bem e de certa forma tentar entender o que tinha acontecido. Pensando na nossa covardia de não dizermos boa noite com um simples beijo, chegamos cada um na sua casa e nos falamos pelo telefone. O nosso "não-beijo" tinha ficado na nossa cabeça o tempo inteiro. Nos falamos brevemente, pedimos desculpa pelo comportamento infantil e medroso e seguimos pensando nessa situação. 

Essa historinha simples de parágrafos curtos, na verdade mascara algo muito mais dolorido do que a simples decisão de "esconder" nosso relacionamento.

Primeiro, o fato de estarmos juntos no mesmo metrô lado a lado e automaticamente nos sentirmos ameaçados por imagens ao nosso redor. Quem garante o que somos? Irmãos, primos, amigos, amantes…. Mas o nosso medo era a nossa declaração de que algo estava fora da ordem entre nós. E que ordem? Nós, que passamos horas escrevendo sobre o nosso preconceito, questionando essa tal ordem que diz que normal é mulher casar com homem e que o resto é minoria ou divergências da norma nos deparamos, ainda que por um breve momento, com nós mesmos em frente aos espelhos nos sentindo fora da ordem.

Segundo, pelo nosso julgamento a partir da aparência das pessoas, algo que nós mesmos passamos diariamente e mesmo assim acabamos sendo perpetuadores de tais estereótipos. Um vagão de metrô lotado de homens, mulheres, jovens e meia-idade….  e sem nem conhecê-los, julgamos a todos como homofóbicos e possíveis agressores, pela simples cara deles. Nada mais. Olhamos e nos sentimos ameaçados. Não houve nada, nem remotamente agressivo neles, a não ser o nosso próprio medo e pré-julgamento das pessoas ao nosso redor. A triste cara emburrada de um indivíduo nos ameaça.

Terceiro, mesmo tão fora do armário como achamos estar ainda há momentos em que nos sentimos forçados a voltar para o armário. Momentos que nos arrependemos depois pois sabemos que esse medo é, na maioria das vezes, nosso. Algo que eu mesmo já falei aqui outras vezes. Nós que ainda nos aceitamos…

Ou seja, eu ainda não me aceitei? Ou tenho medo de que ainda existam pessoas que se incomodem com a minha presença simplesmente? Sem resposta, o que me faz refletir é que mesmo hoje há momentos em que me retraio de medo e desisto de enfrentar o meu próprio monstro homofóbico. Algo que muitos dos meus amigos enfrentam diariamente ao se levantar da cama e seguir para o trabalho. Eu achava que já tinha me livrado totalmente dessa "capa protetora" que acreditamos esconder ou ocultar parte da nossa identidade dos outros. Porém, cá estou usando essa capa em um vagão do metrô.

Ou será que estava usando mesmo essa capa? Pois talvez aquelas pessoas no metrô nem olharam para mim, nem me viram, talvez tenha sido apenas o meu egogay inflamado. Algo que muitos LGBT se identificam. Ao mesmo tempo que queremos esconder, estamos - secretamente - gritando para os outros que nos arranquem do armário. Nos perguntem, nos coloquem na parede como vários alunos meus fizeram ao longo da minha trajetória e eu nunca tive coragem de responder (sim, sou gay). 


Voltando àquela noite


Chegando em casa eu ligo a televisão e começo a assistir uma reportagem sobre um possível - elegedly, como dizem aqui - ataque homofóbico a um jornalista de Nova Iorque.

Mais um ataque homofóbico na cidade ficava ressonando na minha cabeça….

E aquela notícia me faz pensar que talvez eu tivesse razão em ter evitado o beijo no metrô, afinal essas coisas ainda acontecem e poderíamos ter sido atacados. Eu estava certo. Segui a intuição e cheguei a salvo em casa. Estava certo...

Mas a verdade é que eu sei que estava errado. Nada teria acontecido ali e eu, por medo e vergonha, me encolhi frente a um grupo de bullys imaginários. Me retraí frente a minha própria mente que ainda me bully frente ao que eu gosto de achar que já tenho tranquilo.