segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pensando em órgãos excretores



Há um lado radical meu que sente uma certa angústia (ou raiva mesmo) quando ouço de conhecidos que vivem abertamente no armário lacrado que se sentem desrespeitados com comentários como o de Fidélix. Como sentir-se desrespeitado se a princípio ninguém sabe dessa sua parte (ou pequena parte, como dizem alguns)? Deve ser angustiante sentir-se desrespeitado e não poder dizer o por quê. Eu me sinto desrespeitado, não porque ele disse besteiras, mas porque ele disse absurdos que afetam, não só a mim, mas a todas pessoas que me conhecem e me respeitam também. O constrangedor silêncio de todos os candidatos e de muita gente sobre o assunto nos faz menos importantes, menos relevantes e menos cidadãos. Se vamos falar de identidades, é preciso FALAR sobre o assunto e não silenciar-nos enquanto um grita impropérios. 

E eu fico ansioso porque me parece que temos que responder a tudo que nos acontece em 140 caracteres, e com frases de efeito. E eu me silencio porque acho que ninguém vai ler, ouvir ou se importar ou quando eu finalmente tenho uma resposta, o assunto já passou! Não consigo ser tão breve, não acho possível e tenho medo da brevidade das discussões hoje em dia. Reflexão não pode ser limitada, deve ser articulada dentro do espaço e tempo que são necessários para as nossas meditações.

E fico mais ansioso porque é difícil responder a um indivíduo que associa sexo anal à homossexualidade (nem vou comentar a relação com pedofilia porque não quero ter que justificar tal vergonhoso absurdo verbalizado pelo candidato). A minha ansiedade vem do fato que para responder a tal comentário é preciso falar de pênis, vagina, ânus e aí, todo mundo arrepia a nuca... Precisamos falar de sexo, precisamos falar das nossas partes... Então é melhor nem falar nada.

Pois se tal candidato faz tais associações é preciso perguntar: Não são todos órgãos excretores de alguma maneira? Urina, fezes... não está tudo conectado de maneira anatomicamente superficial? E também temos que falar de sexo anal. Pois afinal, heterossexuais não fazem sexo anal? Ou então, todo gay faz sexo anal? Sexo anal é exclusivo para homens? Como podemos deixar um homem simplificar tanto a experiência sexual humana... em nome de quem? Do quê?

Comentários como o de Levy Fidelix são perigosos em vários sentidos. Eles associam práticas sexuais a identidades gerando ansiedade e repressão em muita gente. Nos silenciam porque nos dá medo de falar de identidades sexuais quando a única coisa que identifica um indivíduo é sua prática sexual.

Ser homossexual, gay, lésbica, bicha, bissexual, sapatão, heterossexual, travesti, transexual, transgênero não é associar-se a uma prática sexual, é associar-se a uma determinada afetividade, que pode ou não incluir atividades sexuais. Se precisamos falar de identidade sexual ou de gênero é preciso falar de muitas outras coisas que vão além do ato sexual. É o modo de falar, de vestir, onde morar, com quem se relacionar... é inserção em várias culturas que são tão diversas quanto as nossas práticas sexuais.

As frases de Fidelix incitam ao ódio, ao separatismo e à incompreensão. Não nos ajudam em nada como sociedade igualitária ou uma sociedade que busca igualdade entre os seus cidadãos. Tais comentários devem ser sempre questionados, deve haver espaço para discussão, para que essa pessoa possa ser silenciada não pela censura, mas pela argumentação. Quanto mais discussão houver, menos espaço para tais absurdos existirão. Lembrem-se que no passado pesquisas associaram tamanho do cérebro à inteligência, justificando quais raças seriam superiores a outras, que pesquisas comprovam que homens podem mais que mulheres (sim, isso ainda existe).... é preciso espaço e tempo para que tais discursos sejam, por fim, silenciados.

Porém, enquanto isso não acontece, a aprovação da lei que criminaliza a homofobia é fundamental para que sejamos, pelo menos, responsáveis pelas coisas que falamos ou fazemos.




P.S. Como eu disse no texto, eu preciso de tempo para pensar e refletir. Este texto veio do calor da hora, me ajudem a corrigir, melhorar e pensar mais sobre o assunto.