terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Mais sobre Nova York


Manhattan

Semana passada eu “desabafei” sobre os brasileiros que vêm conhecer Nova York e recebi alguns emails de uns amigos falando que eles tinham se identificado com o texto. Mas que não era só isso, não.   Não é todo mundo que é assim, tem muita gente legal que visita NY e aproveita a cidade numa boa. 

Acho que no fundo o que eu queria reclamar na semana passada era dessa constante necessidade de passar por tudo como se fosse obrigatoriedade, fazer uma lista de compras para tudo:

Conhecer Nova York 
Conhecer Paris 
Subir na Torre Eiffel 
Subir no Empire State...

Mas sentir, aproveitar, olhar, deixar o queixo cair ninguém se permite. É preciso comprar, comprar, comprar.... E mesmo as compras são apressadas. Vale pelo preço, nem olhamos o que queremos. Te digo, uma passagem por uma grande loja de Nova York é um fenômeno assustador.
E mais uma vez, volto ao olhar daquele meu amigo espanhol para o Empire State: deixar o novo e o velho te pegarem de surpresa. E deixar o que está disponível, de graça nos tomar de emoção.

A vida vem sendo intermediada pelo cartão de crédito e pela câmera do celular. Ninguém vê nada, todo mundo filma, ninguém observa nada, todo mundo compra algo. 

Não é o fato de uma pessoa querer tirar foto em frente ao edifício do “caça-fantasmas”, ou do John Lennon,  ou ainda querer visitar a biblioteca pública de Nova York só porque foi a cena do não-casamento de Carrie Bradshaw que me incomoda, é o fato da pessoa nem querer visitar a biblioteca pública, nem querer saber o que é, onde está ou nem procurar saber algo sobre a região onde John Lennon morava e o que há no parque ali perto.

O que me enlouquece é transformar a cidade em um centro de compras, ou transformar a vida em um shopping center. Tudo que pode ser comprado, deve ser comprado. É a falsa ilusão da marca, da grife (Olha, vou te contar um segredo. As grandes marcas fazem coleções separadas para as lojas e para os outlets. Provavelmente aquela bolsa cara que você comprou nunca esteve nas vitrines das lojas caras da Madison Avenue). Nova York em si é uma grife e apesar de todo o luxo que adoram envolvê-la (e isso eu culpo, entre outras coisas, aquela série que quase me enganou por um tempo “Sex and the city”), é uma cidade que pode-se aproveitar sem ter que comprar muito. Basta olhar, sentir, respirar, tocar (não muito porque ainda é a América...) e se deixar levar.

Sobre essa história de aproveitar a cidade, no meio do texto anterior e eu falei das cenas de filmes e seriados de televisão que nos marcam e conversando com uma amiga sobre isso vimos que o problema não é querer reviver uma cena daquele filme, daquele livro ou daquele seriado, o problema é deixar a cidade – ou a vida – passar rapidamente demais, sem que nada (que não seja algum item comprado) nos deixe feliz.

Esse romantismo de Nova York é um dos seus charmes e também faz parte daqueles comentários anteriores: as pessoas não querem aproveitar o que está ao seu redor. Nova York é uma cidade que te impressiona a cada minuto, seja nos museus, nos prédios ou na rua. É uma cidade para ser vista, não para ser comprada (apesar de saber que parte do seu markenting para estrangeiros está no poder e facilidade de compras). Eu entendo bem o paradoxo dessa frase. Afinal é o epicentro capitalista do mundo, porém apesar de tanta sujeira ser lavada em Wall Street, é uma cidade que te proporciona muita coisa sem gastar nada.


E sobre aquelas cenas de filmes....

Filmagem de "Inside Llewyn Davis" dos Irmãos Coen
Filmagens pela cidade são constantes.  É praticamente impossível passar uma semana em Nova York sem encontrar com equipes de filmagem, caminhões, trailers, extras.... Isso faz parte da cidade. E aquela constante curiosidade para saber qual é o filme ou a série é parte da gente que passa pelas ruas.

Columbia, por exemplo,  é um centro de filmagens, só essa semana filmaram “Orange is the new black” e “Law and Order” (que já é comum). Semana passada também estavam filmando dentro do Tom’s diner (o famoso diner do Seinfeld) que fica ao lado do campus. Ano passado passaram uma semana filmando na porta do departamento onde dou aula o filme novo dos irmão Cohen que sai essa semana. E isso é só o que me vem na cabeça agora.
Filmagem em NY. Foto da Claudia Piu
claudiapiu.com

Tem dessas coisas aqui, você chega no trabalho e a rua está toda modificada com cara de anos 50. Mas como todo residente, a gente tem que fazer cara feia e reclamar da amolação que isso causa. Mas aí eu me lembro daquela falta de “maravilhamento” e me divirto. A cidade-personagem, como muitos dizem, está constantemente sobre os holofotes e caminhões de filmagens.

Filmagem em NY. Foto da Claudia Piu
claudiapiu.com



Nova York pode ser sentida assim, revivendo filmes, revivendo momentos, recriando momentos clássicos. A cidade tem sido personagem de tanto filme, de tanta história que transformá-la num centro de compras é simplificar a experiência que cada um de nós pode ter aqui mesmo. É uma cidade para flanar.

Eu faço isso às vezes. Gosto de tirar fotos em lugares que reconheço de filmes. Devo admitir que dependendo da situação ainda me dá uma certa vergonha porque não é só de filme do Woody Allen que a nossa memória emotiva é feita....
Pagando de Olivia Benson.


A foto aí do lado é um desses exemplos, uma pequena homenagem a um dos meus prazeres culposos "guilty pleasures": Law and Order: SVU. Toda quarta-feira à noite aqui na televisão. 

Vamos deixar as compras de lado e vamos flanar mais, olhar a cidade de outro jeito, experimentar Nova York...

Na minha cabeça cinematográfica (enquanto toca "I see you" do Mika) uma horda de turistas deixa as sacolas no chão e começa a caminhar pelas ruas olhando para tudo e para todos. Final apoteótico, eu sei... Cresci vendo novela. 

Amanhã vou caminhar pela cidade e procurar tirar mais uma foto de algum filme que me marcou. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quase cinco anos em Nova York

A ideia era falar de sexualidade, das agruras da vida LGBTQ, mas sexualidade é só uma parte de mim, mais uma entre tantas. Morar em Nova York é outra, ser brasileiro é mais uma e por aí vai....

Pois, a partir, de hoje, repenso os rumos desse blog mais uma vez e decido que vou simplesmente escrever, ou tentar... 

Bem, depois de mais um tempão longe, resolvi escrever de novo e agora sobre a minha relação de amor e ódio com os turistas brasileiros em Nova York. Espero que gostem (ou odeiem).



João pagando de turista I

Depois de quase cinco anos em Nova York, posso dizer que já vi muita gente passando pela cidade, seja de férias, seja fazendo curso, seja se escondendo..... e eu fui ficando por aqui. E fui coletando histórias de gente que passou por aqui. Muita coisa boa de lembrar, mas muita coisa que dá uma vontade de rasgar o RG.

Nova York – e os Estados Unidos de uma maneira geral – causa uma certa fascinação entre os brasileiros. Não é de se espantar, por muitos anos este país tem sido o modelo econômico e social para muita gente no Brasil. Viver o sonho americano através dos filmes e dos seriados de televisão acabou se tornando, até uma certa medida, o próprio sonho brasileiro. E muitos vêm para cá com esperança de reproduzir aquela pequena cena de seriado ou aquele pequeno memento de um filme quase inesquecível.

Acho que tudo bem... não sei.... morar aqui me deixou meio cínico e cético, como disse um amigo meu, os Estados Unidos me transformaram em um comunista. Nem tanto, mas há momentos em que conviver com brasileiros por aqui dá vontade de fugir para uma ilha e esconder minha nacionalidade.

Eu não sei escrever muito bem, não sei escrever blog, não sei escrever “posts” bem sacados no facebook, por isso resolvi preparar este pequeno texto para dividir algumas angústias que passei por aqui. Pensei em uma lista porque me parece que está no moda no mundo virtual. As pessoas leem mais facilmente, se reconhecem, dão risada e passam adiante, mas não sei fazer listas. Pois então: Por mais simples ou blasé que seja este texto, posso garantir que tudo que está relatado aqui é a mais pura realidade, como no show de Truman, ou melhor, como tudo que se passa neste país que serve de modelo agridoce para nossa abastada sociedade brasileira.

Pois, este texto nasce de uma frustração, ou várias frustrações que surgem enquanto convivemos com compatriotas em terras ianques. Modelos de comportamento que se não são comuns, marcam, pelo menos, uma certa tendência entre nós atualmente.

A sensação que tenho é que brasileiros, mais do que americanos ou outras nacionalidades que tenho convivido por aqui querem fazer o máximo possível, da maneira mais rápida possível.  Seja essa maneira eficiente ou não. Isso não é importante para nós, mas que seja feito, ou melhor, que aconteça, ou como se dizia naquela novela “cada mergulho um flash”.

E de onde vem tanta angústia então...

Certa vez, fui ver com alguns amigos uma montagem do Tennessee Williams, “Cat on a Hot Tin Roof” com a Scarlet Johanssen, que atraiu muita gente ao teatro pelo nome dela. Fui com conhecidos de uma amiga que estavam de férias por aqui. No final do primeiro ato, eles nos disseram “Bem, já vimos, agora nós vamos para a balada”... Eu queria argumentar, pois teríamos ainda mais dois atos. Mas eu sabia o que aquilo tudo significava. Estavam ali só para dizer no Brasil que viram a Scarlet ao vivo no palco. Saíram e foram para a balada.
João mostrando as situações
que passa pela cidade

Queria achar que fosse algo deles, dois atores (sim, eram atores) aspirantes à celebridades passando por Nova York para dizer que estiveram por aqui. Mas na verdade, situações parecidas aconteceram outras vezes.

Meses depois, eu levei um grupo de amigos de um amigo para o MET, o maior museu da cidade. Eles tinham passado uma semana em Nova York e não tinham ido a nenhum museu! Pois, na porta do museu, fizeram o “check-in” no facebook e saíram. “Já viemos, não?”. A sensação de que haviam feito um favor para mim ficou ali, pairando no ar...

Entre todos esses, eu respeito aqueles que me disseram sem vergonha nenhuma que não estavam aqui para ver museu mas para andar pela cidade e fazer compras.

Outra característica nossa é o silêncio quando vemos compatriotas. Diferentemente dos italianos, espanhóis, russos... que quando se encontram, conversam ou trocam ideias, os brasileiros ao perceberem que há outros brasileiros se aproximando, se silenciam até que o outro grupo saia de perto. Talvez seja a nossa vergonha de talvez encontrarmos alguém como a gente mesmo: alguém cheio de sacola, que fale alto e que não queira conhecer a cidade, só fazer compras.

Eu, mais de uma vez, ao perceber que estavam perdidos, ofereci ajuda e mais de uma vez, eles negaram, “não precisamos”... E eu pensava em responder – bem americanizado, com aquele tom de seriado de televisão – “ vocês sabem que eu falo português e que ouvi a conversa e vi que vocês estavam perdidos...”, mas ultimamente ignoro. De raiva no começo, dei informação errada e mandei o casal feliz para as últimas paradas do Queens, quem sabe não aprenderam que aqui não é tão perfeito como nos filmes que Hollywood vende.

Brasileiros são reconhecidos facilmente, por mais que a gente não queira ser reconhecido de jeito nenhum. É fácil. Óculos de sol gigante nas mulheres, cabelo com chapinha e um tipo de luzes que só se faz no Brasil, uma cor meio amarelada que não se vê por aqui. O homem: camiseta justa de marca que são feitas para jovens magros, calça de marca, tênis extravagante de marca... Basicamente os dois se parecem como que se um shopping brega tivesse vomitado neles. Pois então, nós somos facilmente reconhecidos. E depois de cinco anos aqui, vejo de longe.

João pagando de turista II (fingindo que
nem viu a foto)
Tem ainda uma característica que, confesso, compartilhei por muito tempo. Brasileiro disfarça admiração, choque, estupefamento e aquela sensação de boca aberta. Eu me lembro quando um amigo espanhol me pediu que nós nunca perdêssemos a sensação de maravilhamento sempre que víssemos o Empire State Building (a universidade que me ofereceu bolsa é em frente). Até então, sempre que saia do metrô eu baixava a cabeça para não ter que admirar o edifício e fingir ser local como bom brasileiro que sou. Mas depois daquele dia, sempre que passo por lá, olho para cima e me lembro do meu amigo e de como aquilo ainda me deixa maravilhado. É um edifício de quase cem anos, de quase cem andares.... Mas de maneira geral, brasileiro faz uma cara blasé quando passa por aqui, como se nada fosse suficientemente maravilhoso (só o Cristo ou as Cataratas – mas também só quando não estamos no Brasil). Olhamos as flores caindo no parque e não falamos nada. Hoje eu penso, “fenômenos da natureza que não acontecem no Brasil!”.

Mas apesar dessa falsa falta de paixão, nós adoramos tirar foto, postar, digitar, tudo instantaneamente. Todos (ou quase todos para evitar generalizações... sim, cinco anos aqui nos deixam mais politicamente corretos) querem, antes de mais nada, comprar um smartphone, uma câmera e eletrônicos para registrar toda a viagem. E assim, saem pelos parques e lojas postando tudo.

A intermediação tecnológica está se transformando em algo insuportável. Não se pode mais sentar em um restaurante sem que os primeiros dez ou quinze minutos sejam com todos nos seus celulares. Eu tenho sofrido – juntamente com muitos amigos daqui – do efeito oposto: quanto mais usam, menos quero usar.

Outra vez, com um grupo de conhecidos, uma amiga que também mora aqui se levantou da mesa e tirou todos os celulares das mãos de todo mundo. “Pronto, agora podemos conversar, não?”. Situação genialmente constrangedora. Saibam que nós que moramos aqui deixamos de fazer alguma coisa para acompanhar vocês em algum lugar que nós não iríamos se não fosse por vocês. Sentar-se em uma mesa e ficar postando e comentando no “face” como vocês dizem por aí, é, no mínimo, de uma falta de respeito tamanha. Guarde o seu celular por alguns minutos e aproveite a noite.

Em outra oportunidade, ofereci a alguns conhecidos para almoçarmos na universidade onde trabalho. Um deles perguntou “mas o que tem lá?”... Responder que é um campus de quase duzentos anos, com prédios históricos, um campus universitário urbano, uma universidade privada em que as pessoas podem andar pelos jardins (deixo a indireta para a USP) não foi suficiente. “É, legal, quem sabe outro dia se a gente tiver tempo depois das compras”.

Brasileiros também tem sempre alguma indicação de algum lugar para comer “ai, tem um restaurante excelente que eu comi uma vez, você precisa ir”. Não, querido, aquilo é só um café/deli que tem igual em cada esquina. Mas vale a experiência que ninguém mais teve e o prazer de poder dizer que já esteve aqui antes. Brasileiros não gostam de ser inexperientes. Por alguma desordem confundimos o que Jobim dizia sobre o Brasil não ser para principiantes...

Uma pena que os “check-in” sem entrar, as sacolas de roupas de marca feitas só para turistas, o excesso de compras desnecessárias, a grosseria com vendedores, a subserviência com a cultura americana, o hábito de exaltar a “América” e destratar o Brasil e outros pequenos costumes ainda são maioria por aqui. Tanto acontece por aqui que fazem de nós, a nossa marca, o nosso jeito.

Somos um fenômeno turístico interessante. Percebam que em todas as lojas daqui há algo em português, mas não há em nenhum museu placas na nossa língua, isso diz muito dos nossos hábitos turísticos.


João tentando tirar aquela foto que poderia ganhar
um prêmio...
Esses anos aqui, me deixam, assim, entre amargo e animado – bittersweet. De vez em quando prazeres espontâneos aparecem. Fico feliz, por exemplo, quando descobrem lugares que não conheço. Uma vez, minha irmã veio para cá e foi a um museu/ biblioteca particular que não tinha ido ainda. Ou quando uma amiga achou uma risoteria que acabou se transformando num dos meus restaurantes favoritos (esse, sim, um restaurante de verdade). Às vezes, brasileiros "me surpreendemos" e isso vale as visitas.

E nem tudo é tragédia cultural, não. Há coisas bonitas também. A melancolia instantânea e a rapidez com que nos apaixonamos por coisas e pessoas faz de nós, assim meio que únicos. Essa vontade de nos despedirmos antes de sairmos de algum lugar, essa rapidez que algo estrangeiro se transforma em nosso (“só a antropofagia nos une”) faz com que aquele suspiro saudoso da janela do aeroporto me faça esquecer de todas as estripulias brasileiras em terras estadunidenses. Sempre que volto e vejo o olhar melancólico daqueles casais que há dois dias eu queria jogar da ponte, me derreto no pesar alegre nosso. Pena que isso fique entre nós, porque ainda não conseguiram traduzir saudade.


segunda-feira, 10 de junho de 2013

De saia hoje (virtualmente por enquanto).

Morar longe é estranho... Ainda mais com tanta "informação" e acessibilidade que temos hoje em dia. Me sinto a par do que acontece no Brasil e com meus amigos, mas ao mesmo tempo, dá vontade de estar aí por perto e participar mais ativamente de tudo que acontece.

Essas últimas semanas tenho visto bastante nos jornais os alunos de saias em várias escolas e faculdade. Hoje eu li no Bandeirantes e na São Francisco. Não vou falar muito sobre os comentários do diretor do Bandeirantes que foram no mínimo, preconceituosos, mas junto com isso mostram um enorme despreparo das instituições com a diversidade e de como o discurso que prega a segurança, na verdade, manifesta a intenção de nos manter presos em normas e estruturas que nem mais bem sabemos quando se tornaram convenções. Anyway... deixo de lado os diretores despreparados e penso na saia:


O que a saia representa para a sociedade? Talvez a última peça de roupa exclusivamente feminina. Talvez a única barreira que o homem não se atreve a cruzar, a atravessar ou a desafiar. Ou pelo menos até pouco tempo. 

Moda está na moda, estar na moda, não, mas gostar de moda e se vestir de maneira fashion, sim. Estar na moda é brega, mas ter seu estilo, saber se vestir e se reconhecer é fundamental. Nova York é um prato cheio para as experimentações, para a exclusividade (que logo se torna pública). Aqui, todos vestem o que bem entendem. Camisas largas, camisas justas, calças justas, largas, shorts curtos, shorts grandes. E todos os itens anteriores sejam homens, mulheres, indefinidos (sim, há essa classificação aqui. Pessoas que se recusam a se rotularem como homens ou mulheres)... 

A moda aqui é indiferente a sua identidade, orientação ou manifestação sexual. A moda aqui é indiferente a qualquer categoria vigente em relação ao gênero ou sexo. Seja a pessoa gay, lésbica, bissexual, transgênero, travesti ou questioning, como muitos gostam de se autoclassificar (talvez essa seja a última moda aqui), bem, não importa o que você seja, o estilo de se vestir passa por todos de maneira indistinta.

Caminho por Nova York e vejo meninos de short bem curtos e justos com chinelos e camisetas de bandas de rock. Gay: Não me atrevo a classificar... Meninas de terno, meninos com cabelos cheios de gel, calça chino e camisa polo. Hétero? Não necessariamente... Aparentemente tudo pode em Nova York no que diz respeito a moda e ao seu estilo. Tudo, certo?

Bem, depois de quase quatro anos aqui. Percebi que quase tudo pode. Uma peça ainda não foi desafiada o suficiente. A saia. Meninos podem tudo, menos a saia. Ainda hoje, mesmo nos lugares mais sexualmente diversos da cidade não vi um homem de saia. 

E agora vejo essas manifestações em São Paulo e começo a pensar.... A saia... A única peça de vestuário que o homem ainda não enfrentou. E se você pensa que calcinha também, se engana. Recentemente um amigo me mostrou um site que vende cuelcinhas. Sim, cuelcinhas, calcinhas para o formato do corpo masculino. Há até bodies para o homem. 

Pois aqui penso no público e privado. A calcinha, ou cuelcinha é peça privada, o homem que usa não se manifesta publicamente a respeito disso, mas a saia, essa é pública. É usada na rua, na frente de todos. E aqui temos que enfrentar o preconceito de sermos comparados ao corpo feminino, à mulher... E aí surge o problema. Como podemos querer viver como mulher? E o preconceito que dificilmente admitimos é contra a imagem da mulher em si, de nos rebaixar ao padrão feminino, a eterna condição feminina. Feio, não? 

Até que ponto as questões de gênero, sexo e sexualidade podem ser desafiadas? Até o ponto em que a dúvida ou o questioning (o termo da moda) fique no ar. Calça justa, shorts curto gera a dúvida, mas a saia talvez seja a certeza.  E não é a dúvida em relação à sexualidade, e sim à condição feminina. Mais do que sermos vistos como gays, bichas, veados... a saia nos fragiliza como mulheres. E vejo que que  ainda estamos reproduzindo valores sociais que refletem o eterno preconceito com a mulher.

A saia representa a mais antiga condição feminina. Assim como o terno um dia representou a condição masculina... Porém a saia ainda permanece exclusiva da mulher. E esses homens tão modernos com seus shorts curtos, suas bolsas Fendi penduradas no braço e seus sapatos coloridos desafiam a tudo e a todos, mas ainda correm de medo da saia. A única peça de vestuário que mantém o nosso falo, o nosso agente de poder descoberto, desprotegido e solto.

A saia nos traz uma aura de desproteção: um vento (imortalizado pela Marilyn Monroe), uma sentada diferente e deflagramos o nosso falo, a nossa condição masculina. O falo feminino não precisa de proteção, ele é público como o corpo da mulher. O nosso falo é privado e a saia, não só nos "rebaixa" a uma condição feminina, mas também nos abre para o mundo. 

Talvez (um breve e leve talvez) essa história da saia nos traga uma certa consciência a respeito das diferenças de gênero que vivemos no nosso cotidiano e que além do preconceito com relação à orientação sexual, nos faça refletir sobre algo que me parece tão importante quanto à minha orientação sexual: o preconceito que a mulher ainda sofre diariamente. 

Um dia desses ainda vou sair de saia... Quando tiver certeza de que posso garantir pelo menos alguns dos meus privilégios (os poucos que me sobraram depois de sair do armário) de macho. 

sábado, 13 de abril de 2013

Sobre médic@s, professor@s, advogad@s, dentist@s, ator@s, noss@s vizinh@s....

Hoje recebi um email de um amigo com um link para uma coluna da Folha sobre homossexuais e o armário (Coluna do Alexandre Vidal Porto). Em tempos de facebook, Twitter e tantas outras mídias sociais receber tal coluna por email me fez pensar... por que não postar no facebook tal texto? As pessoas colocam de um tudo no facebook hoje em dia: fotos de viagem, comentários esdrúxulos, horóscopo (fiz isso hoje)... mas me parece que quando a questão é sobre a nossa sexualidade, o silêncio se mantém, mesmo que não seja algo pessoal, pois ainda existe o medo de associação direta ou indireta. Aquele velho medo de adolescente de que as pessoas possam pensar que somos gays porque gostamos da Madonna, ou da Lady Gaga para os mais jovens.

Ironicamente, a coluna fala justamente sobre a importância de sairmos da armário para que as pessoas possam ver mais gays, bichas, veados, homossexuais, entendidos, lésbicas, sapatões..... Visibilidade é fundamental para que as pessoas não achem que ser gay é simplesmente uma questão pessoal que não deva ser vista ou publicada ou como diz o Alexandre Vidal Porto na coluna melhor do que eu poderia tentar dizer "Que não é preciso ser triste, irresponsável e fracassado para ser gay, que não há nada de feio ou indigno na expressão de seu amor."

E o texto vindo por email e não em uma mídia social me trouxe a seguinte pergunta: Qual é a imagem que devemos "publicar" para os outros? A de que não há problema em se falar sobre isso tranquilamente ou a de que para se ter sucesso na vida é preciso ficar no armário? Hoje penso bastante sobre isso e em todos os anos em que me mantive em silêncio por medo de perder meu emprego ou de ter comentários negativos dos pais dos alunos, dos alunos ou de outros colegas de trabalho, sem falar da família. Afinal, ao ficarmos no armário, a imagem que mostramos a todos é a de que existe uma relação sucesso-armário, ou seja, se ficamos no armário garantimos mais sucesso.  Pois somos bons professor@s, médic@s, dentist@s, advogad@s, ator@s, mas ao silenciarmos sobre nossa orientação sexual, a conclusão que passamos é simples: "Fiquem no armário, é melhor assim".

É justamente isso que quero lutar contra. Quero superar esses anos de silêncio falando abertamente sobre o que sou e como sou e mostrar que não há motivo para mantermos o silêncio. E se há, esses motivos precisam ser combatidos. Não há porque não falarmos que somos o que somos, é preciso superar a nossa vergonha pessoal, o nosso medo e deixar que as pessoas vejam que a nossa orientação sexual não influencia em nada no nosso sucesso, na nossa vida profissional.

Penso nos professores que ficam no armário achando que os alunos não sabem de nada (o primeiro post eu falei sobre a mentira que vivemos achando que as pessoas não sabem que somos...). E hoje penso que professor@s, médic@s, dentist@s, advogad@s, ator@s, etc precisam falar abertamente sobre isso para que os jovens possam ver que a possibilidade de sermos gays abertamente é viável. Não é preciso dizer "it gets better", é preciso dizer já está melhor ("It gets better" é uma campanha americana para os jovens em que várias personalidades gravaram vídeos dizendo aos jovens que tudo melhorará (http://www.itgetsbetter.org).

O texto do Alexandre Vidal é justamente sobre isso, Daniela Mercury é um grande exemplo para nós e como ela é preciso de mais e mais pessoas, em vários setores da nossa vida. Um artista ajuda muito, mas um/a professor/a, um/a médico/a, um/a vizinho/a, um/a amigo/a ajudam muito mais porque traz proximidade para a realidade das coisas. Não basta olhar para a TV, é preciso olhar para os lados e ver que a vida fora do armário é muito mais simples do que imaginamos, é mais honesta, é mais bonita.


quarta-feira, 3 de abril de 2013

Uruguay, Rutgers, Daniela Mercury....

Hoje é um daqueles dias que a mídia está "on fire". No que diz respeito aos assuntos caros aos LGBTQ pelo menos.

Ontem fui dormir assistindo ao escândalo mais recente nas universidade americanas (sim, que surpresa, um escândalo...). O técnico do time de basquete da universidade Rutgers em New Jersey foi visto em câmera agredindo fisicamente e usando ataques verbais homofóbicos contra os jogadores do time1.

Já na cama fiquei pensando na punição do técnico, até ontem à noite ele havia sido apenas suspenso por três jogos. Foi impossível não fazer uma comparação e pensar se a punição teria sido a mesma se os ataques verbais tivessem sido raciais e não homofóbicos... Talvez sim, mas o que eu ainda vejo hoje em dia é uma certa permissividade em relação à homofobia. O preconceito racial, apesar de ainda estar longe de ser resolvido, está sendo silenciado através de leis, educação, ações afirmativas... A homofobia ainda não.

Longe de mim querer comparar anos de opressão negra, escravidão, humilhação com a questão homossexual. Mesmo porque, muitos gays se mantém no armário pelo simples fato de poderem manter o status de homem branco no poder (poderia explicar isso com uma música do Caetano, "Americanos"). E por mais opressor que tenha sido e ainda é, muitos gays e lésbicas optaram por simplesmente esconder sua orientação silenciando-se, prática que minorias raciais nunca tiveram como opção. Mas apesar de tais diferenças, acho que há uma pequena possibilidade de comparação aqui: as questões relacionadas às leis e de que maneira tais leis podem ajudar a diminuir a homofobia.

Leis anti-homofobia são fundamentais para que exista uma sociedade mais igualitária. Enquanto acharmos que chamar alguém de gay, veado, sapatão, bicha não tem problema (e não deveria haver problema em alguém ser chamado de veado, o uso de tais palavras como ofensivas é que é o verdadeiro problema) e enquanto tais práticas continuarem a existir nas escolas, nas universidades, nas ruas, ficará mais difícil para que as pessoas se sintam confortáveis para sair do armário e dessa maneira, seguiremos vivendo essa falsa segurança no armário.

Em tempo: hoje na hora do almoço, a universidade liberou uma nota dizendo que após longa consideração havia decidido despedir o técnico.

Precisamos de mais Danielas Mercurys, não só por sair do armário, mas por ser inclusiva, diversa e positiva, menos Bolsonaros, Felicianos, Malafias.... Esses últimos precisam ser neutralizados (eu queria é dizer, silenciados) e para isso precisamos de mais vozes inclusivas.

Ah, sobre o Uruguay. Casamento igualitário aprovado!




1. Nota de rodapé: Basquete e futebol americano têm times universitários que jogam todos os anos em campeonatos nacionais, a importância deles aqui é quase como a de um Brasileirão ou dos campeonatos estaduais. Os jogos passam na TV, são notícia diariamente, não querer acompanhar esses esportes aqui é quase como querer fingir que futebol não existe no Brasil.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Verdades (?) sobre o armário

Talvez uma das grandes verdades sobre o armário é que no fundo, na maioria dos casos - na grande maioria dos casos - todas as pessoas que insistimos em não contar ou esconder, já sabem. Essas pessoas simplesmente se silenciam por respeito, ou por medo de "ofender"...

Ofender é uma palavra muito forte, mas ainda hoje ser chamado de gay, bicha, veado, lésbica é uma ofensa. Muitos se incomodam, inclusive gays e lésbicas. Em aula outro dia, um aluno disse para outro aluno "You don't look gay". Tal frase me incomoda muito pois nela há quase um elogio embutido como se não parecer gay fosse melhor. Quantas vezes nós já não ouvimos algo como "ele é tão bonito, pena que é meio afeminado", ou "não precisa ser tão veado"....

A liberação gay trouxe um preço muito alto para muitas manifestações sexuais, e uma delas foi o preconceito com tod@ aquel@ que não se conformasse ao padrão heterossexista, os gays e lésbicas se heteronormatizaram e para serem aceitos passaram a negar qualquer feminilidade ou masculinidade que pudesse denotar uma orientação sexual fora da norma. Porém, apesar de tanto esforço, a verdade é que as pessoas sabem, as pessoas simplesmente não comentam na nossa frente. E isso é uma violência, um abuso que deixamos sofrer porque temos vergonha de ser quem somos.

Voltando ao meu aluno....

Acho que a minha cara na aula deixou muito claro a minha posição. Os alunos mais antenados fizeram um "ooohhh" e ele ficou meio perplexo. Eu perguntei sobre o sentido da frase e se ele via aquilo como um elogio. De cara, ele disse que não, mas enquanto conversávamos, vimos que, sim, há uma certa noção de elogio em tal frase.

Por que não parecer gay? E na verdade, a pergunta seria "o que é parecer gay"? Baseamos nossas informações por imagens estereotipadas e aquela mulher "masculinizada" (isso tudo é tão problemático) deve ser lésbica, mal-amada ou pior ainda "mal-comida". E o cara que se veste bem e fala fino deve ser veado.  E comento isso ainda hoje em 2013!  E vejo esse comportamento em muitos dos meus amigos que assumem alguns estereótipos para evitar que as pessoas falem deles, mas o que vejo na verdade, é que eles não "passam" (do verbo to pass, muito usado aqui para essa situação) por héteros como gostariam, as pessoas simplesmente não comentam na frente deles porque ainda hoje ser gay é um problema.

E de qualquer maneira, qualquer opinião será sempre baseada em "achismos", pois até o momento de termos uma declaração performática (adora esse termo), a nossa orientação sexual - pelos outros - será baseada em "achismos".

É preciso que ser gay não seja ofensa. Chamar alguém de gay/ bicha/ veado não pode ser ofensa para que ser gay comece a não ser um incômodo (até para @s própri@s gays e lésbicas) e sim apenas mais uma característica, entre tantas outras, do ser humano.

Eu tenho um amigo a quem amo muito que muitas vezes fica bravo comigo dizendo que transformo tudo em polêmica. Na verdade, o que estou tentando fazer aqui é justamente o contrário: despolemizar a nossa sexualidade. Quero que as pessoas possam chegar em uma sala de aula e comentar sobre o marido, esposa, namorado, namorada seja qual for o sexo (como os professores heterossexuais fazem), quero que as pessoas que trabalhem em escritórios coloquem fotos dos "outros-significantes" na mesa e que isso seja tão normal quanto o que os nossos pais (para aqueles que têm pais heterossexuais) fizeram e fazem.

A minha vontade é despolemizar, é espalhar fotos nas mesas de todos os empregados que querem ter uma relação estável e junto com isso deixar que os que não querem ter uma relação também tenham a liberdade de serem sexualmente livres - héteros, lésbicas, gays, bi...

Eu que sou um romântico incurável só peço espaço para uma fotinho pequena. Uma só.