"De que te serve ser um menino, se vai crescer e se transformar em um homem?"
Gertrude Stein, "Autobiografia de todo mundo"
Hoje enquanto eu lia o jornal sobre grupos feministas e cantadas na rua me lembrei de uma conversa que tive com amigos em São Paulo. Conversávamos sobre machismo, feminismo e aquele papo chato de que feminismo é coisa de mulher mal-amada...
NOTA: O assunto
me parece mais atual do que nunca. Em dias como os de hoje em que uma cantora
como Beyoncé lança um vídeo erótico dançando semi-nua para um homem totalmente
vestido e ainda diz em francês no meio da música “os homens pensam que as
feministas odeiam o sexo”, tal assunto faz-se mais atual do que nunca.
… Pois enquanto
falávamos sobre esses assuntos em São Paulo, eu disse que havia horas que me dava vergonha
de ser homem. Foi quando alguém disse – rindo – “mas você não é homem”. E todos
na mesa riram. Eu também. Há um certo orgulho meu em não ser homem, pelo menos em não ser esse
homem que grita “gostosa” na rua. Mas ao mesmo tempo, entre tantos gays na
mesa, no momento que aquilo foi dito houve uma certa masculinização dos modos,
dos jeitos, quase que desistindo do suco e apelando para a cerveja. “Não ser
homem” incomodou muita gente na mesa.
Mas por que
não ser homem é algo que ainda incomoda tanto? No fundo, quando ouvimos isso ou
algo semelhante, muitos de nós – gays, veados, bichas, homossexuais – seja como for que chamamos a nós mesmos, nos incomodamos com esse papo de não sermos homens:
Deixar de
ser homem é um exercício poderoso, é abrir mão de certas vantagens que
ganhamos. Deixar de ser homem é querer ser equiparado à mulher. E isso é algo
que poucos queremos. É ganhar menos, é ter seu nome gritado na rua, é não ser
respeitado quando você quer consertar o carro, é não ser respeitado como
profissional, é passar parte da sua vida aceitando que sua sexualidade é
limitada, que seu orgasmo não é como o do outro, é acreditar que ter tesão com
pornografia é coisa de homem, é assistir pornografia e entender que você é só
um receptáculo que adorar levar porrada e ser xingado, afinal não querer ser
homem é admitir que há uma diferença gritante entre nós que fingimos não
perceber.
E ser gay –
nem homem, nem mulher – nesses termos machistas é ser alguém que admite ser
mais parecido com a mulher que com o homem. E isso vale a pena? Para a grande
maioria dos gays urbanos que se silenciam em nome de respeito não vale. E o nosso
silencioso armário, além de ofensas a nós mesmo, é também uma ofensa ao “ser
mulher”. E mais uma vez, a mulher não escapa da afronta. Nesses termos em que
ser gay é negar a masculinidade, é renunciar ao “ser homem”, quando nos
ofendemos com “você nem homem é”, ofendemos diretamente a mulher. Pois se não
queremos não-ser-homem, o que nos resta?
Na nossa
sociedade binária, há homens e mulheres. E há, de acordo com a psiquiatria
aqueles que não se conformam nem com um, nem com o outro – trans... – E para
muitos ser gay é estar no meio dos dois. É querer ser mulher num corpo de
homem. Porém para muitos gays isso é coisa de travesti, para outros de
transexual e a matemática não se fecha nunca. E nem deve. Somos homens,
mulheres, trans, ou nada, ou somos um pouco de tudo ao mesmo tempo. Há homens
que gostam de homens, homens que gostam dos dois, homens que não gostam de
nada, mas acima de tudo há homens que se sentem melhores que outros
simplesmente por serem homens. E esse último está involucrado em todas as
manifestações masculinas da nossa sociedade machista.
Há um outro
caminho? Hipoteticamente, sim. Há o caminho “ser gente”. Simplesmente. Ser uma
pessoa que respeita os outros, uma pessoa com características únicas ou
coletivas, mas uma pessoa e nada mais. Porém, digo hipoteticamente porque em um
sociedade em que a mulher ainda é tratada como um ser menor, essa alternativa
ainda não me vale. Pois ao “ser gente” fecho os olhos para a opressão masculina com a mulher que nos destrói aos poucos todos os dias. Ainda não dá. Preciso escolher ir além de ser
homem, ser mulher e até de ser gente. É preciso ser alguém que não se conforme com o
homem que grita “gostosa” na rua, com o homem que acha que não há problema em
tirar uma foto por debaixo da saia de uma mulher,
ser uma pessoa que não se conforma com a exploração corporal de uma mulher
dançando pelada para um homem vestido, ou seja é não se conformar com uma infinidade de fatos do nosso breve cotidiano.
Vale a pena
ser homem? Se você abrir mão da verdade ao seu redor, sim, vale. Muito. Mas
ignorar que suas colegas de trabalho ainda ganham menos que você, ignorar que suas
parceiras/amigas/mulheres têm que pensar no que vão vestir para não serem confundidas com um simples objeto sexual, ou por temer serem estupradas, ignorar a negação da sexualidade feminina em nome do orgasmo
masculino, ignorar a falta de espaço na política, ignorar todas essas
diferenças faz com que ser homem não valha a pena nem por um minuto.
Ainda que
internamente me doa saber que não sou homem, é o meu exercício diário aceitar que
esse homem que não abre mão de suas vantagens já não sou.
Deve ser astrológico, hoje mesmo eu senti necessidade de escrever quase sobre o mesmo assunto: http://especulante.blogspot.com.br/
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