terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Mais sobre Nova York


Manhattan

Semana passada eu “desabafei” sobre os brasileiros que vêm conhecer Nova York e recebi alguns emails de uns amigos falando que eles tinham se identificado com o texto. Mas que não era só isso, não.   Não é todo mundo que é assim, tem muita gente legal que visita NY e aproveita a cidade numa boa. 

Acho que no fundo o que eu queria reclamar na semana passada era dessa constante necessidade de passar por tudo como se fosse obrigatoriedade, fazer uma lista de compras para tudo:

Conhecer Nova York 
Conhecer Paris 
Subir na Torre Eiffel 
Subir no Empire State...

Mas sentir, aproveitar, olhar, deixar o queixo cair ninguém se permite. É preciso comprar, comprar, comprar.... E mesmo as compras são apressadas. Vale pelo preço, nem olhamos o que queremos. Te digo, uma passagem por uma grande loja de Nova York é um fenômeno assustador.
E mais uma vez, volto ao olhar daquele meu amigo espanhol para o Empire State: deixar o novo e o velho te pegarem de surpresa. E deixar o que está disponível, de graça nos tomar de emoção.

A vida vem sendo intermediada pelo cartão de crédito e pela câmera do celular. Ninguém vê nada, todo mundo filma, ninguém observa nada, todo mundo compra algo. 

Não é o fato de uma pessoa querer tirar foto em frente ao edifício do “caça-fantasmas”, ou do John Lennon,  ou ainda querer visitar a biblioteca pública de Nova York só porque foi a cena do não-casamento de Carrie Bradshaw que me incomoda, é o fato da pessoa nem querer visitar a biblioteca pública, nem querer saber o que é, onde está ou nem procurar saber algo sobre a região onde John Lennon morava e o que há no parque ali perto.

O que me enlouquece é transformar a cidade em um centro de compras, ou transformar a vida em um shopping center. Tudo que pode ser comprado, deve ser comprado. É a falsa ilusão da marca, da grife (Olha, vou te contar um segredo. As grandes marcas fazem coleções separadas para as lojas e para os outlets. Provavelmente aquela bolsa cara que você comprou nunca esteve nas vitrines das lojas caras da Madison Avenue). Nova York em si é uma grife e apesar de todo o luxo que adoram envolvê-la (e isso eu culpo, entre outras coisas, aquela série que quase me enganou por um tempo “Sex and the city”), é uma cidade que pode-se aproveitar sem ter que comprar muito. Basta olhar, sentir, respirar, tocar (não muito porque ainda é a América...) e se deixar levar.

Sobre essa história de aproveitar a cidade, no meio do texto anterior e eu falei das cenas de filmes e seriados de televisão que nos marcam e conversando com uma amiga sobre isso vimos que o problema não é querer reviver uma cena daquele filme, daquele livro ou daquele seriado, o problema é deixar a cidade – ou a vida – passar rapidamente demais, sem que nada (que não seja algum item comprado) nos deixe feliz.

Esse romantismo de Nova York é um dos seus charmes e também faz parte daqueles comentários anteriores: as pessoas não querem aproveitar o que está ao seu redor. Nova York é uma cidade que te impressiona a cada minuto, seja nos museus, nos prédios ou na rua. É uma cidade para ser vista, não para ser comprada (apesar de saber que parte do seu markenting para estrangeiros está no poder e facilidade de compras). Eu entendo bem o paradoxo dessa frase. Afinal é o epicentro capitalista do mundo, porém apesar de tanta sujeira ser lavada em Wall Street, é uma cidade que te proporciona muita coisa sem gastar nada.


E sobre aquelas cenas de filmes....

Filmagem de "Inside Llewyn Davis" dos Irmãos Coen
Filmagens pela cidade são constantes.  É praticamente impossível passar uma semana em Nova York sem encontrar com equipes de filmagem, caminhões, trailers, extras.... Isso faz parte da cidade. E aquela constante curiosidade para saber qual é o filme ou a série é parte da gente que passa pelas ruas.

Columbia, por exemplo,  é um centro de filmagens, só essa semana filmaram “Orange is the new black” e “Law and Order” (que já é comum). Semana passada também estavam filmando dentro do Tom’s diner (o famoso diner do Seinfeld) que fica ao lado do campus. Ano passado passaram uma semana filmando na porta do departamento onde dou aula o filme novo dos irmão Cohen que sai essa semana. E isso é só o que me vem na cabeça agora.
Filmagem em NY. Foto da Claudia Piu
claudiapiu.com

Tem dessas coisas aqui, você chega no trabalho e a rua está toda modificada com cara de anos 50. Mas como todo residente, a gente tem que fazer cara feia e reclamar da amolação que isso causa. Mas aí eu me lembro daquela falta de “maravilhamento” e me divirto. A cidade-personagem, como muitos dizem, está constantemente sobre os holofotes e caminhões de filmagens.

Filmagem em NY. Foto da Claudia Piu
claudiapiu.com



Nova York pode ser sentida assim, revivendo filmes, revivendo momentos, recriando momentos clássicos. A cidade tem sido personagem de tanto filme, de tanta história que transformá-la num centro de compras é simplificar a experiência que cada um de nós pode ter aqui mesmo. É uma cidade para flanar.

Eu faço isso às vezes. Gosto de tirar fotos em lugares que reconheço de filmes. Devo admitir que dependendo da situação ainda me dá uma certa vergonha porque não é só de filme do Woody Allen que a nossa memória emotiva é feita....
Pagando de Olivia Benson.


A foto aí do lado é um desses exemplos, uma pequena homenagem a um dos meus prazeres culposos "guilty pleasures": Law and Order: SVU. Toda quarta-feira à noite aqui na televisão. 

Vamos deixar as compras de lado e vamos flanar mais, olhar a cidade de outro jeito, experimentar Nova York...

Na minha cabeça cinematográfica (enquanto toca "I see you" do Mika) uma horda de turistas deixa as sacolas no chão e começa a caminhar pelas ruas olhando para tudo e para todos. Final apoteótico, eu sei... Cresci vendo novela. 

Amanhã vou caminhar pela cidade e procurar tirar mais uma foto de algum filme que me marcou. 

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Quase cinco anos em Nova York

A ideia era falar de sexualidade, das agruras da vida LGBTQ, mas sexualidade é só uma parte de mim, mais uma entre tantas. Morar em Nova York é outra, ser brasileiro é mais uma e por aí vai....

Pois, a partir, de hoje, repenso os rumos desse blog mais uma vez e decido que vou simplesmente escrever, ou tentar... 

Bem, depois de mais um tempão longe, resolvi escrever de novo e agora sobre a minha relação de amor e ódio com os turistas brasileiros em Nova York. Espero que gostem (ou odeiem).



João pagando de turista I

Depois de quase cinco anos em Nova York, posso dizer que já vi muita gente passando pela cidade, seja de férias, seja fazendo curso, seja se escondendo..... e eu fui ficando por aqui. E fui coletando histórias de gente que passou por aqui. Muita coisa boa de lembrar, mas muita coisa que dá uma vontade de rasgar o RG.

Nova York – e os Estados Unidos de uma maneira geral – causa uma certa fascinação entre os brasileiros. Não é de se espantar, por muitos anos este país tem sido o modelo econômico e social para muita gente no Brasil. Viver o sonho americano através dos filmes e dos seriados de televisão acabou se tornando, até uma certa medida, o próprio sonho brasileiro. E muitos vêm para cá com esperança de reproduzir aquela pequena cena de seriado ou aquele pequeno memento de um filme quase inesquecível.

Acho que tudo bem... não sei.... morar aqui me deixou meio cínico e cético, como disse um amigo meu, os Estados Unidos me transformaram em um comunista. Nem tanto, mas há momentos em que conviver com brasileiros por aqui dá vontade de fugir para uma ilha e esconder minha nacionalidade.

Eu não sei escrever muito bem, não sei escrever blog, não sei escrever “posts” bem sacados no facebook, por isso resolvi preparar este pequeno texto para dividir algumas angústias que passei por aqui. Pensei em uma lista porque me parece que está no moda no mundo virtual. As pessoas leem mais facilmente, se reconhecem, dão risada e passam adiante, mas não sei fazer listas. Pois então: Por mais simples ou blasé que seja este texto, posso garantir que tudo que está relatado aqui é a mais pura realidade, como no show de Truman, ou melhor, como tudo que se passa neste país que serve de modelo agridoce para nossa abastada sociedade brasileira.

Pois, este texto nasce de uma frustração, ou várias frustrações que surgem enquanto convivemos com compatriotas em terras ianques. Modelos de comportamento que se não são comuns, marcam, pelo menos, uma certa tendência entre nós atualmente.

A sensação que tenho é que brasileiros, mais do que americanos ou outras nacionalidades que tenho convivido por aqui querem fazer o máximo possível, da maneira mais rápida possível.  Seja essa maneira eficiente ou não. Isso não é importante para nós, mas que seja feito, ou melhor, que aconteça, ou como se dizia naquela novela “cada mergulho um flash”.

E de onde vem tanta angústia então...

Certa vez, fui ver com alguns amigos uma montagem do Tennessee Williams, “Cat on a Hot Tin Roof” com a Scarlet Johanssen, que atraiu muita gente ao teatro pelo nome dela. Fui com conhecidos de uma amiga que estavam de férias por aqui. No final do primeiro ato, eles nos disseram “Bem, já vimos, agora nós vamos para a balada”... Eu queria argumentar, pois teríamos ainda mais dois atos. Mas eu sabia o que aquilo tudo significava. Estavam ali só para dizer no Brasil que viram a Scarlet ao vivo no palco. Saíram e foram para a balada.
João mostrando as situações
que passa pela cidade

Queria achar que fosse algo deles, dois atores (sim, eram atores) aspirantes à celebridades passando por Nova York para dizer que estiveram por aqui. Mas na verdade, situações parecidas aconteceram outras vezes.

Meses depois, eu levei um grupo de amigos de um amigo para o MET, o maior museu da cidade. Eles tinham passado uma semana em Nova York e não tinham ido a nenhum museu! Pois, na porta do museu, fizeram o “check-in” no facebook e saíram. “Já viemos, não?”. A sensação de que haviam feito um favor para mim ficou ali, pairando no ar...

Entre todos esses, eu respeito aqueles que me disseram sem vergonha nenhuma que não estavam aqui para ver museu mas para andar pela cidade e fazer compras.

Outra característica nossa é o silêncio quando vemos compatriotas. Diferentemente dos italianos, espanhóis, russos... que quando se encontram, conversam ou trocam ideias, os brasileiros ao perceberem que há outros brasileiros se aproximando, se silenciam até que o outro grupo saia de perto. Talvez seja a nossa vergonha de talvez encontrarmos alguém como a gente mesmo: alguém cheio de sacola, que fale alto e que não queira conhecer a cidade, só fazer compras.

Eu, mais de uma vez, ao perceber que estavam perdidos, ofereci ajuda e mais de uma vez, eles negaram, “não precisamos”... E eu pensava em responder – bem americanizado, com aquele tom de seriado de televisão – “ vocês sabem que eu falo português e que ouvi a conversa e vi que vocês estavam perdidos...”, mas ultimamente ignoro. De raiva no começo, dei informação errada e mandei o casal feliz para as últimas paradas do Queens, quem sabe não aprenderam que aqui não é tão perfeito como nos filmes que Hollywood vende.

Brasileiros são reconhecidos facilmente, por mais que a gente não queira ser reconhecido de jeito nenhum. É fácil. Óculos de sol gigante nas mulheres, cabelo com chapinha e um tipo de luzes que só se faz no Brasil, uma cor meio amarelada que não se vê por aqui. O homem: camiseta justa de marca que são feitas para jovens magros, calça de marca, tênis extravagante de marca... Basicamente os dois se parecem como que se um shopping brega tivesse vomitado neles. Pois então, nós somos facilmente reconhecidos. E depois de cinco anos aqui, vejo de longe.

João pagando de turista II (fingindo que
nem viu a foto)
Tem ainda uma característica que, confesso, compartilhei por muito tempo. Brasileiro disfarça admiração, choque, estupefamento e aquela sensação de boca aberta. Eu me lembro quando um amigo espanhol me pediu que nós nunca perdêssemos a sensação de maravilhamento sempre que víssemos o Empire State Building (a universidade que me ofereceu bolsa é em frente). Até então, sempre que saia do metrô eu baixava a cabeça para não ter que admirar o edifício e fingir ser local como bom brasileiro que sou. Mas depois daquele dia, sempre que passo por lá, olho para cima e me lembro do meu amigo e de como aquilo ainda me deixa maravilhado. É um edifício de quase cem anos, de quase cem andares.... Mas de maneira geral, brasileiro faz uma cara blasé quando passa por aqui, como se nada fosse suficientemente maravilhoso (só o Cristo ou as Cataratas – mas também só quando não estamos no Brasil). Olhamos as flores caindo no parque e não falamos nada. Hoje eu penso, “fenômenos da natureza que não acontecem no Brasil!”.

Mas apesar dessa falsa falta de paixão, nós adoramos tirar foto, postar, digitar, tudo instantaneamente. Todos (ou quase todos para evitar generalizações... sim, cinco anos aqui nos deixam mais politicamente corretos) querem, antes de mais nada, comprar um smartphone, uma câmera e eletrônicos para registrar toda a viagem. E assim, saem pelos parques e lojas postando tudo.

A intermediação tecnológica está se transformando em algo insuportável. Não se pode mais sentar em um restaurante sem que os primeiros dez ou quinze minutos sejam com todos nos seus celulares. Eu tenho sofrido – juntamente com muitos amigos daqui – do efeito oposto: quanto mais usam, menos quero usar.

Outra vez, com um grupo de conhecidos, uma amiga que também mora aqui se levantou da mesa e tirou todos os celulares das mãos de todo mundo. “Pronto, agora podemos conversar, não?”. Situação genialmente constrangedora. Saibam que nós que moramos aqui deixamos de fazer alguma coisa para acompanhar vocês em algum lugar que nós não iríamos se não fosse por vocês. Sentar-se em uma mesa e ficar postando e comentando no “face” como vocês dizem por aí, é, no mínimo, de uma falta de respeito tamanha. Guarde o seu celular por alguns minutos e aproveite a noite.

Em outra oportunidade, ofereci a alguns conhecidos para almoçarmos na universidade onde trabalho. Um deles perguntou “mas o que tem lá?”... Responder que é um campus de quase duzentos anos, com prédios históricos, um campus universitário urbano, uma universidade privada em que as pessoas podem andar pelos jardins (deixo a indireta para a USP) não foi suficiente. “É, legal, quem sabe outro dia se a gente tiver tempo depois das compras”.

Brasileiros também tem sempre alguma indicação de algum lugar para comer “ai, tem um restaurante excelente que eu comi uma vez, você precisa ir”. Não, querido, aquilo é só um café/deli que tem igual em cada esquina. Mas vale a experiência que ninguém mais teve e o prazer de poder dizer que já esteve aqui antes. Brasileiros não gostam de ser inexperientes. Por alguma desordem confundimos o que Jobim dizia sobre o Brasil não ser para principiantes...

Uma pena que os “check-in” sem entrar, as sacolas de roupas de marca feitas só para turistas, o excesso de compras desnecessárias, a grosseria com vendedores, a subserviência com a cultura americana, o hábito de exaltar a “América” e destratar o Brasil e outros pequenos costumes ainda são maioria por aqui. Tanto acontece por aqui que fazem de nós, a nossa marca, o nosso jeito.

Somos um fenômeno turístico interessante. Percebam que em todas as lojas daqui há algo em português, mas não há em nenhum museu placas na nossa língua, isso diz muito dos nossos hábitos turísticos.


João tentando tirar aquela foto que poderia ganhar
um prêmio...
Esses anos aqui, me deixam, assim, entre amargo e animado – bittersweet. De vez em quando prazeres espontâneos aparecem. Fico feliz, por exemplo, quando descobrem lugares que não conheço. Uma vez, minha irmã veio para cá e foi a um museu/ biblioteca particular que não tinha ido ainda. Ou quando uma amiga achou uma risoteria que acabou se transformando num dos meus restaurantes favoritos (esse, sim, um restaurante de verdade). Às vezes, brasileiros "me surpreendemos" e isso vale as visitas.

E nem tudo é tragédia cultural, não. Há coisas bonitas também. A melancolia instantânea e a rapidez com que nos apaixonamos por coisas e pessoas faz de nós, assim meio que únicos. Essa vontade de nos despedirmos antes de sairmos de algum lugar, essa rapidez que algo estrangeiro se transforma em nosso (“só a antropofagia nos une”) faz com que aquele suspiro saudoso da janela do aeroporto me faça esquecer de todas as estripulias brasileiras em terras estadunidenses. Sempre que volto e vejo o olhar melancólico daqueles casais que há dois dias eu queria jogar da ponte, me derreto no pesar alegre nosso. Pena que isso fique entre nós, porque ainda não conseguiram traduzir saudade.