Querido
americano,
Esses dias
circulou um texto seu explicando para nós, brasileiros, quais são os nossos
problemas. Muitas pessoas republicaram o texto, afinal descobrimos o nosso
problema. Da mesma maneira o que os americanos entraram em polvorosa essa
semana quando descobriram que a Beyonce é negra.
Já dei a
dica do que quero falar. Não dos nossos problemas brasileiros, mas de problemas
em geral. Eu não sei quem é você, mas sei que eu com meus problemas não
tenho cara de escrever uma carta aberta aos americanos para falar dos problemas
deles.
Nós
brasileiros somos o problema. Você tem razão. Lição número de qualquer livro de
auto-ajuda, afinal quem é a solução?
Você diz que os nossos
problemas estão na fundação da nossa sociedade. Eu diria que estão em todas as
sociedades, ou fundações. Aqui, as pessoas acreditam que os pobres não lutam o suficiente.
Bem, nem todos acreditam nisso, mas muitos. Talvez essas pessoas que acreditem nisso aqui são
as mesmas que você conviveu no Brasil, a classe média do Leblon e do Jardins,
ou seja, os manhatanites que circulam por Nova York sem nunca ter pisado no
Queens ou Bronx.
O carro
batido que você mencionou? Eu acredito que exista em inglês uma expressão
chamada “hit and run”, não? Ela descreve acidentes no Brasil ou aqui mesmo?
Sobre as
fotos na praia, eu te pergunto, querido americano que nos apontou nossos
problemas. Kim Kardashian, autora da grande obra “Selfie” é brasileira? Será
que esse modelo de indústria cultural de massa é nosso?
Sim, ser
vaidoso não é uma ofensa no Brasil. “Vain” aqui, sim. Mas sabe o que eu percebi
aqui? Nos Estados Unidos ser “ambitious” não é defeito. No Brasil ser “ambicioso”
não é uma característica muito bem-vista. Sabe o que isso significa? Nada em
especial, apenas que temos percepções culturais diferentes e que experienciamos
tais diferença através da linguagem.
Brasileiros
compram as coisas em 12 ou 14 pagamentos. Verdade. Americanos pagam tudo com
cartão de crédito e depois quando a dívida aumenta, eles fazem um novo cartão
de crédito e “roll over the debt”.
Vaidade não
é felicidade, você tem razão. Você sabe qual é o único país do mundo com mais
cirurgias plásticas que o Brasil? Os Estados Unidos.
Brasileiros
esperamos. Esperamos demais. Estar uma hora atrasado é normal. Mas avaliar toda
a cultura de um país através dos atrasos do relógio? Americanos são pontuais,
quase sempre. E talvez, deixar um amigo esperando para “teach a lesson” me
parece americano demais, sabia? Que lição é essa? Pontualidade? Será que eu
preciso “ensinar uma lição” antes de irmos tomar uma cerveja?
Gostaria de
propor que você discutisse a constituição americana. Será que é só a brasileira
que precisa ser refeita. Nas suas palavras, it must be done. Quantas vezes você
já leu a constituição brasileira? O que há nela que faz com que você,
americano, acredite que seja fundamental uma mudança?
E enquanto falamos de constituição, podemos falar de impostos. Americanos de classe média pagam uma fortuna de impostos enquanto que os detentores de fortuna pagam muito pouco. E esses impostos não se convertem em direitos (que americanos chamam de benefícios. Não, americanos, saúde não é benefício, é direito). No Brasil, por mais problemas que existam, se eu cair na rua, há um hospital público em que eu possa ser levado. Mesmo com seguro médico eu paguei 295.54 dólares por uma limpeza de ouvido aqui na sua terra da prosperidade.
E aproveitando o gancho dos impostos, que tal falar da prosperidade norte-americana que você menciona. De fato, um país rico. Um país que se auto-intitula "leader of the free world" e que tem os piores índices em educação e saúde entre os países desenvolvidos.
Ah, o
jeitinho brasileiro? Sabe qual o problema dessa expressão? É o “brasileiro” nela.
Nesses últimos sete anos nos Estados Unidos, eu tenho visto tantas vezes o
jeitinho americano. Tantos exemplos de pessoas que não pagam impostos e têm
casas enormes. Americanos que compram apartamento e mantém um outro “rent control
apartment” para lucrar enquanto existe uma lista de espera de mais de dois anos
para pessoas que realmente precisam disso. O jeitinho americano dos landlords
de desligarem o aquecimento no inverno para economizar dinheiro. O jeitinho de
contratar imigrantes como babás e empregadas para não ter que legalizar a situação
dessas pessoas. E esses são só alguns exemplos do jeitinho americano de uma
única cidade... Me parece que o jeitinho brasileiro só é um problema porque é brasileiro. E os outros jeitinhos?
Sabe,
querido americano, me parece que o verdadeiro problema brasileiro tenha sido
copiar demais os americanos. Mas isso é só uma impressão. Eu não sou de apontar
dedos dessa forma...
Por fim, todo
país tem problema, toda cidade. Se decidimos morar fora da nossa ‘motherland’,
a primeira lição é a humildade, que nós, brasileiros, temos de sobra e que
vocês americanos não admiram muito (lembra do ‘vain’, ‘ambitious’?) Nós não
sabemos mais ou melhor, sabemos diferente. E viver em outro país é uma
constante ‘struggle’ de forças que se antagonizam diariamente. E rasgar o verbo
com verdades e fatos (ainda que todos baseados em impressões pessoais) só soa
arrogante. E aí te deixo uma lição de um brasileiro. Brasileiro não gosta de
gente arrogante. Te ensino uma expressão: abaixa a bola. Seja feliz no Brasil
como eu aprendi a ser feliz no teu país, apesar do jeitinho americano que
enlouquece o meu jeitinho brasileiro.
P.S. Pelos
meus cálculos este texto é lido em 8 minutos. No seu site, você diz que o seu deve ser
lido em 11 minutos. Bem, oito minutos seriam suficientes para os americanos que não gostam de perder tempo.