Eu sou um
homem de palavra, desculpe, sou uma pessoa de palavras, das palavras. E estou
preso entre gêneros que me secam, me desatinam e me traçam caminhos.
Sou uma
pessoa de palavras que foge dos rotas letradas e segue por paralelas acadêmicas.
Sou uma pessoa que usa as palavras em espaço escolar, que encanta de maneira
presencial sonhando em ser página de livro. Pessoa que sonha em ser citação, em
ser palavra na boca dos outros, em ser ideia alheia.
Fui
seguindo a rota da palavra. Humanas, Letras, Educação, Literatura. Colegial,
Faculdade, Metrado e Doutorado. Secretamente escrevi vários livros de poesia. O
primeiro aos vinte anos, nunca ninguém leu. Os jurados do Nascente/ USP quase
leram, mas desisti na última hora. Todos os meus livros escondidos foram fruto
do amor, do desamor ou da vontade de ser amor. Livros segredos.
Segui a
trilha acadêmica, escolhi falar no gênero menos amoroso de todos, e fui
colocando pitadas de desejo nas notas de rodapé, nos exercícios de língua, nos
trabalhos em diversas línguas. E fui mantendo meu segredo poético em mim. Aos
poucos fui saindo do armário. Para mim, foi mais fácil sair do armário como
pessoa gay que como pessoa poeta. Pois o poeta tem outro nome. Grito com
orgulho, “sou gay”, mas me silencio de vergonha “sou poeta”. Tenho confiança no
meu ser gay, mas desatino nesse ser poeta. Porque ser poeta é como título de
nobreza, ninguém se auto-intitula, é posto recebido. Poeta é como travesti,
nenhuma se autonomeia, é batizada. Pois, eu não posso ser poeta...
Por isso, escrevo
dissertação de mestrado, trabalho acadêmico, artigo, apresentação em
conferência, mas não falo de poesia, falo de escrever, falo de ler, falo da
vontade de escrever, mas não falo da minha vontade de escrever. Se defendo a
ficção, é porque secretamente defendo a minha vontade de ficção. E sigo em
silêncio.
Silêncio
sufoca e chega aquele momento que parece que vamos explodir. Eu estou preso nas
minhas próprias palavras. Deixei meus parágrafos acadêmicos me prenderem entre
páginas e capítulos de algo que me dói seguir fazendo. Mas se dor é propulsão,
haverá uma hora que isso acabará.
Meu engano
foi achar que podia enganar a mim mesmo. Não me casei com uma mulher, não a
maltratei, mas me casei com a academia e deixei que ela achasse que eu fosse
uma pessoa de palavra científica. Ela me aceitou desse jeito ajambrado que
escreve em inglês pensando em português com desafinos de espanhol. Essa
academia, quando estamos entre nós dois, me aceita do jeito que sou. Mas quando
partimos para orgias intelectuais parece que me transformo naquele tímido que
só observa com medo ou no doido que se atira em todo mundo sem pensar muito.
Mas eu
penso, é o que faço mais, pensar. Me cai o cabelo, me cai a barba, me salta na
pele essa mania de pensar. E eu insisto no acadêmico porque, às vezes, eu acho
que tenho algo para falar, quando, na verdade, eu queria cantar. Mas o destino
é sábio, não me deixou cantar, porque eu preciso escrever.
Então eu
escrevo. Escrevo porque eu acho que devemos escrever senão estamos perdidos. E
quando não escrevo, secretamente danço. Porque todo poeta deveria ser
bailarino. E todo acadêmico deveria ser bailarino. E todas as pessoas deveriam
ser bailarinas.
A academia
me quer tese. Eu quero palavra. Haverá um dia em que isso termine. Só existe
matéria quando o desejo se converte em vontade e daí se transforma em palavra.
Talvez eu precise deixar de dançar para que a academia surja.
Hoje o
poeta quase saiu totalmente do armário. Volta mais um pouco, vou deixar uma
porta aberta para que vocês vejam que ele ainda é, mas precisa estar lá mais um
pouco.
Ainda que a
vontade de dançar seja infinitamente maior, é preciso formalizar as palavras.
Devorar a academia antes que este gênero tão específico, tão definido – tese –
devore esse poeta tão escondido.