sexta-feira, 11 de abril de 2014

A porra da buceta é dela!


Valesca é pensadora? Não sei, mas tem feito muita gente pensar. E isso já é algo que deve ser levado em consideração.

Já faz tempo que venho tentando articular uma defesa do funk carioca e de como, diferentemente de muitos outros gêneros brasileiros, tem se colocado à frente de uma possível luta feminista. Não sei o quão consciente tal atitude é, mas há muito tempo algumas funkeiras tem feito a gente repensar o nosso machismo de cada dia. 

Como quase todos os gêneros – da MPB ao sertanejo – o funk carioca, é tradicionalmente machista e centrado no olhar e voz do homem. Porém, aos poucos foi abrindo pequenos espaços de visibilidade para mulheres e travestis. E no meio dessa masculinidade exacerbada foram surgindo aos poucos mulheres aqui, outras ali, que resolveram falar sobre o desejo sexual, sobre a própria buceta, sobre fazer uma espanhola e engolir a porra, sobre homem que pede dedinho. Vulgaridades, baixarias.... coisas que muita gente disse, porém muita gente também nunca pareceu se importar com a mulher que joga a bundinha para frente, com a que passa e rebola, com a que se mostra só para o homem, que mexe a cadeira.... Pois, enquanto objeto, a vulgaridade feminina é mais aceita pois mantém a mulher no seu devido lugar, ou seja, a eterna garota de Ipanema que vem e que passa, mas a mulher que goza, que escolhe a rola que entra na buceta tem que se manter calada e relegada à rua escura e vazia da noite.

Não pretendo discutir qualidade artística e nem vou entrar no mérito temporal (lembrem-se que samba foi desqualificado e proibido, modernismo denegrido e também proibido...), o que me parece relevante é a importância de se ter finalmente mulheres dispostas a falar do próprio desejo, ainda que de maneira tão literal. E isso é fundamental para aprendermos que mulher goza, tem tesão e pode ter agência sexual. E é o que as funkeiras vêm fazendo, colocando a mulher à frente e no comando do seu desejo sexual. Afinal, às vezes, um pouco de literalidade é preciso para abrirmos os olhos (alguém se lembra da Marta da TVmulher?). 

Pensando no nosso modelo americano (ainda que quase esvaziado de conteúdo), Beyoncé quando dança, o faz seminua se mostrando para um homem totalmente vestido, ou seja, a sua agência sexual é sempre mediada pelo olhar masculino e vestido. Shakira, apesar de suas investidas quase feministas nos últimos anos (seus primeiros discos) fez um péssimo vídeo em que rola na cama com outra mulher – Rihanna – não por ter desejo por ela, mas por querer fazer “anything he wants”, pronome masculino que segue enfatizado na canção. A única que conseguiu tentar mostrar a maneira como a mulher é tratada foi a Jennifer Lopez que fez um vídeo em que o homem é o objeto coisificado. O vídeo - censurado nos EUA - é interessante (apesar da música ser bem chata) ao a inverter a tradicional posição de objeto colocando o homem nesse lugar-coisa, mas o que deveria nos chocar ainda mais é o fato de que precisamos de homens para nos mostrar que essa imagem de mulher-objeto é ridícula. Outra tentativa de abrir nossos olhos foi a sátira que os Bondi Hipsters fizeram com as fotos que uma modelo fez para a revista GQ, um homem semi-nu falando as bobagens que ela disse na revista

Voltando ao Brasil....

No meio de tanta vulgaridade que aceitamos, lemos e mais importante consumimosquando nos aparece uma mulher gritando que a porra da buceta é dela nos chocamos, nos assustamos sem nem pensar que quando uma mulher ralava a buceta na boquinha da garrafa todos imitávamos entre risadas e diversão.  A essa mulher que não tem vergonha de dar o cu, eu aplaudo e admiro, pois finalmente há mulheres que vêm e falam que gozam quando querem e quando acham necessário e não só definem seu orgasmo pelo prazer masculino. 


Não sei se Valesca é pensadora, isso não me importa. O que nos importa nesse momento é ver que a sua canção ou performance nos faz pensar a respeito da posição da mulher. Por isso, também acho fundamental a imagem que ela distribuiu pelada dizendo que não merece ser estuprada. Ela é dona do corpo dela e nua ou não, vagabunda ou não, não pode e não merece ser estuprada. Ainda hoje nos pegamos com pensamentos conservadores e machistas ao vermos mulheres seminuas, como se uma mulher assim não merecesse respeito. Chamá-la de vagabunda é concordar de maneira indireta com a pesquisa do IPEA e isso é propagar a visão machista em que vivemos. Não me importa se é promíscua, se é santa, se está pelada, pois se o que uma mulher faz com o corpo é pelo próprio prazer, ela não é vagabunda. Não é puta. É mulher.

Muitos argumentam que há outras maneiras mais “discretas” de ser feminista. Maneiras mais intelectuais – Simone de Bouvoir, Marilena Chauí, Monique Wittig, Audre Lorde, Pagu... – Sim, claro, mas uma não anula a outra. Que a cultura pop seja porta de reflexão para debates mais aprofundados não é novidade. O que me parece estranho é negar essa cultura pop sem se aprofundar em outros textos. Compreendem? Quero dizer aqui, de forma bem clara, que muita gente esvazia o valor do pop, mas segue assistindo televisão e comprando enlatado. Negue a cultura pop, mas faça com propriedade. Leia Schopenhauer (ainda que de acordo com meu grande amigo/mestre Mario ele seja um escroto super valorizado) como no link que uma amiga me mandou hoje. Leia. 

Declarar que esse tipo de música é simplesmente baixaria é tentar, mais uma vez, negar a agência sexual da mulher e mantê-la como a eterna garotinha de Ipanema que só passa, mas não diz nada, objeto de desejo do homem e só do homem.

Há muito que se fazer. E é preciso ser feito desde cedo. Você que tem filhas pequenas, olhe para os seus brinquedos. Não há brinquedo de montar? Por que as casinhas de bonecas já vêm montadas? Meninas não montam, isso é coisa de menino. A historinha da princesinha que vai ser salva, a bonequinha que vem com namorado, menina não senta de perna aberta, menina não corre, menina não constrói aviãozinho.... e a lista vai. E de pouco em pouco achamos normal menina não saber montar coisa ("coisa de homem"), dirigir mal ("coisa de homem").... Perceber que muitos conhecidos estão repetindo esses valores, me dói, por isso que aplaudo as funkeiras que não têm medo de gozar porque ainda hoje vou ver muitas meninas crescerem sem saber direito o que é gozar porque menina direita se comporta, passa de biquíni na praia sempre em silêncio. Eu prefiro o grito desafinado de uma funkeira ao silêncio comprometido da eterna garota de Ipanema.


Em tempo 1: Eu sei que há muitos outros exemplos na música, Ângela Roro, por exemplo, mas quero pensar nos modos como falamos abertamente sobre sexualidade e de como a voz masculina quando se apodera do prazer não nos choca, mas a voz feminina, sim.

Em tempo 2: Este texto é parte de um projeto meu sobre feminismo e homossexualidade (e claro, muita cultura pop) que vai se desenrolando e se desenvolvendo aos poucos. Quem quiser, podemos falar mais sobre o tema.