Essas últimas semanas tenho visto bastante nos jornais os alunos de saias em várias escolas e faculdade. Hoje eu li no Bandeirantes e na São Francisco. Não vou falar muito sobre os comentários do diretor do Bandeirantes que foram no mínimo, preconceituosos, mas junto com isso mostram um enorme despreparo das instituições com a diversidade e de como o discurso que prega a segurança, na verdade, manifesta a intenção de nos manter presos em normas e estruturas que nem mais bem sabemos quando se tornaram convenções. Anyway... deixo de lado os diretores despreparados e penso na saia:
O que a
saia representa para a sociedade? Talvez a última peça de roupa exclusivamente
feminina. Talvez a única barreira que o homem não se atreve a cruzar, a
atravessar ou a desafiar. Ou pelo menos até pouco tempo.
Moda está
na moda, estar na moda, não, mas gostar de moda e se vestir de maneira fashion,
sim. Estar na moda é brega, mas ter seu estilo, saber se vestir e se reconhecer
é fundamental. Nova York é um prato cheio para as experimentações, para a
exclusividade (que logo se torna pública). Aqui, todos vestem o que bem
entendem. Camisas largas, camisas justas, calças justas, largas, shorts curtos,
shorts grandes. E todos os itens anteriores sejam homens, mulheres, indefinidos (sim, há essa classificação aqui. Pessoas que se recusam a se rotularem como homens ou mulheres)...
A moda
aqui é indiferente a sua identidade, orientação ou manifestação sexual. A moda
aqui é indiferente a qualquer categoria vigente em relação ao gênero ou sexo. Seja a pessoa gay, lésbica,
bissexual, transgênero, travesti ou questioning, como muitos gostam de se
autoclassificar (talvez essa seja a última moda aqui), bem, não importa o que
você seja, o estilo de se vestir passa por todos de maneira indistinta.
Caminho por
Nova York e vejo meninos de short bem curtos e justos com chinelos e camisetas
de bandas de rock. Gay: Não me atrevo a classificar... Meninas de terno,
meninos com cabelos cheios de gel, calça chino e camisa polo. Hétero? Não
necessariamente... Aparentemente tudo pode em Nova York no que diz respeito a
moda e ao seu estilo. Tudo, certo?
Bem, depois
de quase quatro anos aqui. Percebi que quase tudo pode. Uma peça ainda não foi
desafiada o suficiente. A saia. Meninos podem tudo, menos a saia. Ainda hoje, mesmo nos lugares mais sexualmente diversos da cidade não vi um homem de saia.
E agora vejo essas manifestações em São Paulo e começo a pensar.... A saia... A única peça de vestuário que o homem ainda não enfrentou. E se você pensa que calcinha também, se engana. Recentemente um amigo me mostrou um site que vende cuelcinhas. Sim, cuelcinhas, calcinhas para o formato do corpo masculino. Há até bodies para o homem.
Pois aqui penso no público e privado. A calcinha, ou cuelcinha é peça privada, o homem que usa não se manifesta publicamente a respeito disso, mas a saia, essa é pública. É usada na rua, na frente de todos. E aqui temos que enfrentar o preconceito de sermos comparados ao corpo feminino, à mulher... E aí surge o problema. Como podemos querer viver como mulher? E o preconceito que dificilmente admitimos é contra a imagem da mulher em si, de nos rebaixar ao padrão feminino, a eterna condição feminina. Feio, não?
Até que ponto
as questões de gênero, sexo e sexualidade podem ser desafiadas? Até o ponto em
que a dúvida ou o questioning (o termo da moda) fique no ar. Calça justa,
shorts curto gera a dúvida, mas a saia talvez seja a certeza. E não é a dúvida em relação à sexualidade, e sim à condição feminina. Mais do que sermos vistos como gays, bichas, veados... a saia nos fragiliza como mulheres. E vejo que que ainda estamos reproduzindo valores sociais que
refletem o eterno preconceito com a mulher.
A saia
representa a mais antiga condição feminina. Assim como o terno um dia
representou a condição masculina... Porém a saia ainda permanece exclusiva da
mulher. E esses homens tão modernos com seus shorts curtos, suas bolsas Fendi
penduradas no braço e seus sapatos coloridos
desafiam a tudo e a todos, mas ainda correm de medo da saia. A única peça de
vestuário que mantém o nosso falo, o nosso agente de poder descoberto,
desprotegido e solto.
A saia nos traz uma aura de desproteção: um vento (imortalizado pela Marilyn Monroe), uma sentada diferente e deflagramos o nosso falo, a nossa condição masculina. O falo feminino não precisa de proteção, ele é público como o corpo da mulher. O nosso falo é privado e a saia, não só nos "rebaixa" a uma condição feminina, mas também nos abre para o mundo.
Talvez (um breve e leve talvez) essa história da saia nos traga uma certa consciência a respeito das diferenças de gênero que vivemos no nosso cotidiano e que além do preconceito com relação à orientação sexual, nos faça refletir sobre algo que me parece tão importante quanto à minha orientação sexual: o preconceito que a mulher ainda sofre diariamente.
Um dia desses ainda vou sair de saia... Quando tiver certeza de que posso garantir pelo menos alguns dos meus privilégios (os poucos que me sobraram depois de sair do armário) de macho.