quinta-feira, 20 de março de 2014

Por que não reclamar mais um pouco dos visitantes de Nova York (e de todos os outros lugares por onde passo)?


Há um tempo eu comentei sobre as pessoas que tiram foto de tudo e só tiram foto e acabam perdendo um pouco a mirada, o olhar para o nosso redor. A perspectiva das nossas viagens é totalmente intermediada pela câmera do celular ou pela super câmera gigante que usamos três features.  Ninguém viaja mais, ninguém olha, as pessoas tiram foto e postam. Postar virou febre, você vai andando pelas ruas, pelos museus e tudo o que as pessoas fazem é isso, tirar foto e postar. Instagram, facebook…. coisa demais. 

Semana passada eu fui à Bienal daqui, uma exposição local em um museu menor que poucos turistas vão, mas esse fenômeno imagético não é só de turista, não. É geral. Durante a minha caminhada pelo museu uma pessoa ficou brava comigo porque eu passei na frente da foto. E dessa vez nem foi de propósito. Mas nem caminhar eu posso mais! Se eu tiver que parar em um museu a cada pessoa que tira foto eu não caminho, tenho que escolher um círculo no meio do andar e ficar parado ali o tempo todo até que me confundam com uma instalação e passem a tirar fotos de mim também. E para piorar ainda mais a nossa self-situation,  semana passada um jovem conseguiu superar qualquer expectativa de falta de respeito ao destruir uma estátua em um museu!

Me chamem de radical, mas eu acho que há lugares em que fotos devem ser proibidas. Museu é um desses lugares. Me expliquem qual a razão de tirar foto de um quadro? Por que deixar de observar o quadro e guardar a imagem na memória. Além de radical, me chamem de chato, mas eu ainda sou daqueles que andam com caderninho e lápis na mão para ir em museu….

Uma pequena digressão….
Sobre fotos com quadros, Jacqueline Livingston já fez isso há  mais de vinte anos. Ela ia tirando fotos dela na frente de quadros famosos. Essa ao lado é a minha favorita. Mas é preciso lembrar do trabalho dela como feminista, artista e fotógrafa e quais imagens ela escolheu para documentar esse narcisismo feminista (ela perdeu o emprego em Cornell nos anos 70 por tirar fotos de seus filhos pequenos nus. sim, há muito mais puritanismo aqui do que imaginamos). 


Voltando aos nossos retratos….

Em janeiro quando visitei Inhotim, vi várias pessoas tirando foto de tudo, mesmo com as insistentes placas proibindo foto. Eu tive que ser chato e pedir para uma mulher parar de tirar foto dentro de uma instalação - um iglu minúsculo que fazia um jogo de luzes. Além da luz do artista ainda tinha o flash da desavisada…. - Ao longo do parque/ museu/ galeria pessoas iam tirando foto de tudo, andando com o ipad na mão filmando e "narrando" o que viam. A era do rádio na era da internet…. nem o Gilberto Gil conseguiu prever essa. 

E quando a gente acha que não pode piorar a gente consegue ir mais fundo.

Pois agora, além de tirar foto de tudo, nós resolvemos dar as costas ao mundo e fazer um esforço para aparecer na foto. Nós viramos a câmera para nós mesmos. Não olhamos mais para o que está ao nosso redor, e olhamos para nós mesmos. E o narcisismo ganha dimensões que não haverá lago suficiente para que todos se afoguem. 

E a gente compra as ideias mercadológicas e de marketing como algo genial e divertido. Essa história de "selfie" começou com celebridades, pessoas famosas que perceberam que poderiam ganhar mais dinheiro ainda com o público, pobres seguidores de selfies. Por que tirar foto em um restaurante? Por que tirar foto usando uma determinada roupa? Por que tirar foto usando determinada marca? Publicidade quase de graça…. Dizem por aqui que essas celebridades chegam a receber até 20.000 dólares por foto, por um simples "endorsement". E a gente acredita, a gente compra e a gente se vende fazendo a propaganda de graça. E as grandes empresas (porque essas celebridades que vivem disso mais do que pessoas são empresas) vão ganhando dinheiro. 

E a coisa continua a piorar... Os selfies já eram febres publicitárias mas bastou todo mundo cair na armadilha promocional da super carismática Ellen Degeneris que os selfies viraram mais moda ainda. Em uma genial tacada de marketing, a marca do celular da Ellen conseguiu em segundos tirar o twitter do ar e a Ellen provavelmente ficou alguns milhões mais rica. E nós, passamos a copiá-la desesperadamente. 

Meus passeios pelo facebook já eram desanimadores, agora então…. Selfie, selfie…. E o mais triste foi ver ator do Globo pagando pau para gringo fazendo selfie em grupo. E há algo que também precisamos discutir com urgência: esse excesso de felicidade. Gente, sério, dá para ser tão feliz assim? Sério mesmo? É preciso ser assim? 

Ainda bem que há pessoas que tentam ir além, quebrar um pouco a nossa monotonia e nos fazer pensar (e ainda dizem que arte não é importante). Como esse artista americano que fez uma série de auto-retratos falando sobre o seu vício heroína. Não sei se são selfies, mas que nos fazem abrir os olhos, isso sim. 

Eu, de selfie, comigo mesmo tentando entender os mecanismos
de uma auto-foto-selfie em um museu
Outro dia pensei em criar o anti-selfie. A minha foto de costas para a camera de olho para o mundo a minha frente. Mas além de me dar preguiça, resolvi que o meu anti-selfie é simplesmente não tirar foto mesmo. Ninguém precisa saber da minha cara (é a mesma, com mais rugas), ou de onde como ou onde sento no avião. Ninguém precisa saber disso, eu acho… Quero saber de outras coisas, mas posso esperar para te ver,  quem sabe…

Estamos no fim dos fins, mas pelo menos esse fim vai ser bem documentado com todo muito feliz pois como se não bastasse olhar o mundo através da câmera com um sorriso de ponta a ponta agora é a nossa cara de costas pro mundo.

Me parece que estamos caminhando de costas e também me parece que é o jeito que todo mundo quer caminhar agora. Com um grande sorriso na boca e de costas para tudo e para todos e todos os outros de frente para as nossos celulares, computadores, para as nossas telas com preguiça de sentir aquela dorzinha no olho quando a gente levanta a cabeça da tela. 


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